quarta-feira, 21 de agosto de 2024

LIVROS: A FELICIDADE DESESPERADAMENTE, por André Comte-Sponville.

Caríssimos leitores,

Nesses dias eu terminei de ler um livro que eu gostaria muito de indicar aqui para vocês e, também, claro, dar o meu tradicional “pitaco” sobre a obra. Pois bem.

Estou falando da obra que dá título a esse nosso post: A Felicidade Desesperadamente, de André Comte-Sponville, que é um filósofo materialista francês, nascido em 1952 (felizmente ainda vivo) e, famoso pelo livro “O Espírito do Ateísmo” (que não li ainda, mas, em breve o farei pra gente tricotar aqui).

Eu, particularmente, gosto muito do autor, pois ele é extremamente didático, além de ter alta influência do filósofo Baruch Spinoza, a quem eu também sou bastante filiado, diga-se de passagem.

Trata-se de um livrinho pequeno em tamanho, mas grande em conhecimento e profundidade filosófica. Uma verdadeira preciosidade.

Ele se vale da palavra “desespero” numa concepção bem bacana, no sentido de que a felicidade está tanto mais perto da gente, quanto mais distantes estamos da esperança. É isso mesmo! Você não leu errado não! Segundo Sponville, ser feliz é vencer a esperança.

Você pode estar se perguntando: - Mas que diabos esse cara está falando??? Se perdermos a esperança estamos lascados... Tem até ditado popular “a esperança é a última que morre”. Não dá pra entender isso!!!

Pois é. Eu comecei de nariz torcido e fui positivamente surpreendido pela tese. Olha só!

O desejo, usualmente, é um afeto sobre aquilo que nós não temos, pois, afinal, quando conseguimos, não desejamos mais. Assim, o desejo está voltado para a falta, para aquilo que não é. Quando desejamos o que não temos ou aquilo que não é, ficamos perturbados e, portanto, infelizes. No reverso da medalha, porém, quando conseguimos o que queremos, já não desejamos mais, pairando sobre nós o sentimento de tédio.

E vamos, nós humanos, nesse pêndulo que transita entre o vazio - pelo desejo que paira sobre o que não temos -, e o tédio – por termos conseguido o objeto do desejo. Nesse caso, somos levados a desejar outra coisa, retornando ao status quo de infelicidade.

Segundo o autor, esse mecanismo gera nas pessoas uma profunda infelicidade e sofrimento, pois tudo quanto tributamos nossas alegrias se encontra em um tempo futuro ou condicionada a um evento que se dará em algum momento que não o hoje, causando-nos ansiedade, pressa, doenças psiquiátricas e todo tipo de malefícios. Nossa mente foge do presente, onde é exatamente onde a vida está acontecendo. Não nos regozijamos, pois, com o que temos e com as coisas como elas se apresentam.

Aí ele mostra algumas maneiras as quais estamos habituados a lançar mão, de como a gente tenta tapar essa lacuna do sofrimento, que é resultado de nossa projeção para o futuro: fingimos alegria, nos jogando a diversões uma seguida da outra; o entretenimento; as telas de celulares, com suas redes sociais e a necessidade de exaltarmos o narcisismo; a esperança em ganhar na loteria; a esperança em Deus e nos dogmas religiosos e tantas outras questões, todas elas, para o autor, sempre, de algum modo, esperando o alcance da felicidade em cima de fatores futuros os quais não podemos controlar.

Digno de nota de minha parte, quando eu estava lendo, pensei no capitalismo. Como ele captou bem a essência de nossas inquietudes e trabalha bem com isso, a fim de nos deixar o tempo todo entretidos e sempre desejosos pelos nossos próximos desejos futuros, trazendo uma falsa percepção de felicidade.

Exatamente por isso, o autor propõe o rompimento com a esperança. Com a colocação de nossa felicidade em cima de algo que não temos.

Para ele, toda esperança é um desejo, mas nem todo desejo é uma esperança. Ele define que a esperança é o desejo sem gozo – porque, se ainda não temos o que desejamos, não temos o devido proveito -; sem conhecimento – pois se ainda não temos, não sabemos se vamos ter -; e, sem agir – na medida em que não tenho o poder sobre aquilo que não depende de mim.

Nesse passo a ideia é que sejamos “desesperados”, isto é, despido de esperanças. Temos que desejar o que temos. O que está acontecendo agora, com apetite e potência. Viver no presente.

É claro que ele coloca isso no plano ideal, isto é, com uma forma de buscar isso como meta. Reconhece as dificuldades que temos considerando o ritmo da nossa vida em sociedade.

Mas, de todo modo, sugere um olhar cauteloso para que dependamos menos das esperanças e finquemos mais nossos pés naquilo que temos efetivamente e no tempo que vivemos.

Pode parecer uma teoria inaplicável, mas, acreditem, isso faz muita diferença na vida da gente, quando o ângulo de visão sobre isso nos é descortinado. É uma abertura de consciência na tentativa de vivermos com mais plenitude, aquilo que eles, filósofos mais tendentes ao estoicismo, chamam de eudaimonia, que seria um estado de contentamento.

Eu recomendo muito a vocês essa obra. Comente aqui embaixo sobre o que você achou do livro e vamos fazer um debate bacana sobre esta ideia de ser “desesperado”.

Um abraço!

terça-feira, 20 de agosto de 2024

VIDEOGALERIA: AFTERSUN, de Charlotte Wells (GBR - 2022)

- SINOPSE (https://mubi.com/pt/br/films/aftersun): Em um resort decadente, Sophie, de 11 anos, aproveita o raro tempo com seu pai amoroso e idealista, Calum. Vinte anos depois, as lembranças de Sophie de suas últimas férias se tornam um retrato poderoso e doloroso do relacionamento deles. Mais informações em: https://www.imdb.com/title/tt19770238/?ref_=tt_mv_close.

- SUGESTÃO DE CRÍTICAhttps://www.planocritico.com/critica-aftersun/.

- COMENTÁRIOS DO "VOZ" (Alerta! Pode conter "spoiler")*

Feitas essas importantes citações iniciais, a fim de respeitar o trabalho de nossos críticos de cinema e plataformas dedicadas ao assunto (aliás, recomendo a todos que, ao término de cada filme, procurem críticas bem abalizadas, vale muito a pena), falando sobre esta obra em si, o filme é brilhante!

Sophie relembra, vinte anos depois, passagens que teve com seu pai, em férias na Turquia.

Somos levados pela trama a olharmos tudo como se fôssemos a Sophie. Os filhos, por sua lente, conhecem fragmentos da histórias de seus pais. São resgates de memórias afetivas pelas quais Sophie tenta construir a imagem de um pai.

O filme deixa muitas pontas soltas. Há uma clara (para mim, ao menos), aura de que Calum passava por algum momento bem delicado, mas que não era possível ser identificado por uma menina de 11 anos. A trama não dá explicações. Deixa tudo, de fato, no ar, para que o espectador construa a imagem do pai, tal e qual Sophie tenta fazer por suas lembranças fragmentárias.

Vale cada minuto.

- NOSSA AVALIAÇÃO: 10!!!!

______________

* Nota do editor: vocês sabem, perfeitamente, que não sou crítico de cinema. Não tenho competência e nem bagagem para isso. Todavia, sempre gosto de fazer esse importante alerta, a fim de não frustrar os leitores. O objetivo aqui é o de indicarmos os bons filmes. Aqueles que vão além do entretenimento puro e simples. Não que sejamos contra as obras de entretenimento. De modo algum! Em cultura, há espaço para tudo. Os tais "blockbusters" encantam e fazem com que a pessoa goste de cinema e de suas multifacetadas linguagens. Mas o que trazemos aqui são obras que se alinham com os propósitos de nosso blog.

quarta-feira, 27 de junho de 2012

NEM TUDO QUE SE PLANTA HOJE DEVE SER COLHIDO AMANHÃ



Por Pedro Henrique Pedroso (*)
da sucursal de Itararé/SP ("a pedra que o rio cavou")

Quem nunca pensou em deixar para fazer algo prazeroso no próximo fim-se-semana, no próximo feriado, nas próximas férias, ano que vem?

Ou então, será que somos capazes de contar as inúmeras vezes em que nos vemos dominados pelas preocupações acerca do dia de amanhã?

Ora, a palavra preocupação por si só se define (pré-ocupação), ou seja, seria uma ocupação antecipada acerca de algo que poderá ou não ocorrer.

Ao pensar nisso, porém, não seria a minha intenção conceder menos valor à virtude de se abdicar de momentos de prazer em nome de nossas atividades laborais, ou em face de nossas responsabilidades. Longe disso. É louvável o comportamento daquele que se abstém de uns goles de cerveja com os amigos, visando terminar algum projeto, encerrar algum trabalho.

Também não é minha pretensão, ao pensar neste assunto, estabelecer um paralelo entre o epicurismo (“carpe diem”) e o estoicismo (filosofia em que o trabalho e as virtudes sobrepõem o prazer imediato). Acredito que o que desejo expressar seja algo mais palpável, mais próximo de nosso dia-a-dia.

Do mesmo modo, também não estou a contestar a indiscutível importância do preparo e do ensaio em relação aquilo que haveremos de fazer no futuro, do que virá a acontecer amanhã ou depois. Apenas tento demonstrar que, sem o devido equilíbrio, acabamos permitindo que o ontem e o amanhã impeçam a concessão da devida importância ao hoje.

Acabo servindo-me dos pensamentos daqueles que já se ocuparam do mesmo assunto. Certa vez, John Lennon disse que “A vida é algo que acontece, enquanto estamos ocupados fazendo outros planos”. Sempre, a cada segundo, estamos pensando naquilo que faremos no instante seguinte. Mal terminamos de fazer algo, e já estamos pensando no que virá depois. Alcançamos um objetivo, vencemos um desafio, e novos objetivos e desafios surgem, tudo numa interminável sucessão de fazer e refazer, planejar e replanejar, pensar e repensar, inevitavelmente; eis a dinâmica de nossas vidas direcionadas pelo padrão ocidental-capitalista da produtividade.

 Por quê não somos capazes de finalizar algo, parar e contemplar aquilo que fizemos, dar um tempo? A resposta poderia ser, porque há contas a pagar, há projetos para terminar, há um status que deve ser mantido...

Mas aí, surge outra pergunta, na mesma linha de raciocínio do sábio de Liverpool; por quê não somos capazes de conceder a cada tarefa realizada sua devida importância. Embora não tenhamos escolhido nascer em um mundo em que o material condene o imaterial ao ostracismo, podemos escolher como viver no meio dessa selva infestada por abstração, impessoalidade e generalidades. O fato de que, em nossas vidas, existem, e sempre existirão cobranças e exigências é algo certo e irrefutável (a menos que nos isolemos em alguma tribo, ou nos tornemos membros do clero). Contudo, não é menos correto o fato de que podemos conceder novas matizes e novas cores àquela incessante sucessão de responsabilidades. Podemos, sim, não obstante o volume de obrigações, ver a vida de um modo mais especial, viver a vida de um modo mais leve.

Ao lado de nossos planos, caminham, de mãos dadas, nossas preocupações. Penso que seja aí onde realmente desperdiçamos uma quantidade imensa de energia e bom-humor. Sirvo-me, novamente, das citações de dois escritores. Og Mandino disse que “Deveria preocupar-me com os eventos que talvez jamais testemunhe?”. Com ainda mais ênfase, Mark Twain confessa que “Passei por coisas terríveis em minha vida, e algumas delas de fato ocorreram”.

Preocupações e adiamentos! Quantos dias de vida já desperdiçamos em seus nomes?

Vivemos adiando tudo. Basta um pequeno “flash-back” para demonstrar a veracidade de tal afirmação. Para não ir tão longe, voltemos até o período anterior ao ingresso na faculdade. Como o martírio dos estudos parecia ser suavizado com a imagem estereotipada da faculdade. Eis apenas um exemplo da maneira equivocada e inconsciente pela qual muitos de nós nos comportamos. Por quê passamos a vida nos convencendo de que no futuro, encontraremos a felicidade?

Pensamos, que, depois do ingresso na faculdade, seremos realmente felizes; depois da formatura, seremos verdadeiramente felizes; após a aprovação na ordem, seremos felizes; depois do casamento, seremos felizes plenamente; após comprarmos nossas casas e tivermos pago nossas contas, seremos felizes. Tudo bem, feito isso, aí adiamos a felicidade para depois que os filhos nascerem. Nascidos, para depois que crescerem. Ora, cresceram, aí vem a adolescência; tudo bem, depois dessa fase, será mais fácil, aí seremos felizes. Após a aposentadoria, seremos felizes, quando estivermos com a poupança recheada, seremos felizes...

E durante todo esse tempo, será que os grãos de areia deixaram de cair?
Não vejo por que adiarmos a felicidade para o futuro. Não há motivo para depositarmos nossas energias em algo que não temos, em algo que não conquistamos, ainda. Ressalte-se, ainda! E se, por ventura não viermos a ter ou a conquistar, paciência, pois houve inúmeras outras conquistas. Não devemos, jamais, associar o ser ao ter. Não somos o que possuímos, somos o que fazemos, e o modo pelo qual fazemos é o fator diferencial em nossas vidas, ainda que os resultados não se revelem da maneira esperada.

Tudo é uma questão de tempo. Nesse meio termo, devemos perceber o valor extraordinário de tudo aquilo que nos rodeia, e, principalmente, daqueles que nos cercam, estejam fisicamente presentes ou não.

Quantas vezes, num domingo chuvoso e aparentemente entediante, não desejamos estar em uma praia quente e ensolarada? Ah, aí sim estaríamos felizes e contentes...

Seríamos capazes de recordar em quantas oportunidades, nas difíceis horas de trabalho, durante a semana, sonhamos com o próximo sábado?

Será que não encontramos a felicidade em momentos como estes, simplesmente porque nos tornamos incapazes de vislumbrar tudo o que há de fantástico e maravilhoso nas coisas e acontecimentos mais comuns de nosso cotidiano?
Richard Carlson aduz que “Não há época melhor para sermos felizes do que agora. Se não for agora, então, quando?”

Outro pensador, Alfred D’Souza, afirmou que “Por algum tempo me pareceu que a vida estava prestes a começar – a vida verdadeira. Mas sempre havia um obstáculo ou outro no caminho, algo que deveria ser feito antes, um negócio inacabado, tempo por vir, dívidas a pagar. Aí, sim, a vida começaria. Então, eu despertei para o fato de que esses obstáculos eram a minha vida”.

Encontremos, caríssimos, a felicidade em tudo o que fizermos!

Sejamos felizes onde estivermos!

O ontem já passou, não voltará!

O amanhã, é uma incerteza, sequer sabemos se virá!

São Mateus nos alerta que não devemos nos preocupar com o dia de amanhã, pois o dia de amanhã cuidará de si mesmo.

Digamos um basta aos adiamentos!
Amanhã, 

no fim-de-semana,

no feriado,
nas férias,
ano que vem?

Não, agora!

E, para finalizar, recorro novamente ao sábio Og Mandino, “Desfrutarei hoje, a felicidade de hoje. Ela não é um grão, para ser armazenada numa caixa. Ela não é vinho, para ser guardada numa jarra. Ela não pode ser guardada para o dia seguinte. Deve ser plantada e colhida no mesmo dia.”

Meus caros, pensem nisso!

Um forte abraço para todos.

(*) Nota do "VOZ": Pedro Henrique Pedroso é advogado e nosso amigo pessoal. Uma alma iluminada que Deus nos deu o privilégio de conhecer. Além do conhecimento jurídico, Pedro possui uma ampla visão de mundo, nos fazendo concluir, por meio de suas colocações, que a vida é bela!

segunda-feira, 28 de março de 2011

VIDEOGALERIA: Um Sonho Possível (Sandra Bullock)


Prezados leitores,

Neste final de semana assistimos a um bom filme e gostaríamos de compartilhar com os amigos. É o filme "Um Sonho Possível", dirigido por John Lee Hancock e estrelado por Sandra Bullock, Tim McGraw, Kathy Bates, Quinton Aaron, Lily Collins, Jae Head, Rhoda Griffis, Ray McKinnon.

O filme conta a história de Michael Oher (Quinton Aaron), um jovem negro vindo de um lar destruído, que é ajudado por uma família branca, liderada por Leigh Anne (Sandra Bullock) que acredita em seu potencial. Com a ajuda do treinador de futebol, de sua escola e de sua nova família, Oher terá de superar diversos desafios a sua frente, o que também mudará a vida de todos a sua volta.

Por conta de sua compleição física que lhe rendeu a alcunha de "Big Mike", Michael é admitido numa escola burguesa e neo-republicana de alunos predominantemente brancos. O seu baixíssimo rendimento escolar, devido à sofrida vida que teve é um obstáculo inicial à obtenção de uma vaga no time de futebol local.

Sem roupas e sem lugar para ficar, Michael é ajudado pela rica Leigh Anne. Embora com dois filhos e uma vida muitíssimo confortável, Leigh sentia-se numa vida fúttil e esvaziada de sentido e, vendo o contraste com o rapaz muito pobre, inicia uma longa lista de iniciativas visando o seu desenvolvimento e sucesso.

Há uma atmosfera bem criada no filme: o retrato do sul dos Estados Unidos. Lee Hancock fez uma decente contextualização da política atual, na qual os neo-republicanos se colocam como vítimas do preconceito dos Obamistas e dizem sofrer de “racismo às avessas”. Posição reforçada diariamente pela Fox News. (por Heitor Augusto, do Cineclick)


O "Voz" recomenda este filme aos leitores. Vale a pena investir alguns minutinhos para vê-lo. Um abraço!

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

O ESTADO SOCIAL É O CAMINHO


(*) O texto é de um autor português e o link encontra-se ao final

Face às actuais políticas neo-liberais, tão cantadas e elogiadas um pouco por todo o lado, que papel caberia ao estado, na sociedade contemporânea, se estas tivessem acolhimento, uma vez que tais políticas tenderiam a reduzir o papel do estado a uma simples função residual?

Os neo-liberais apregoam aos quatros cantos do mundo que querem menos estado e melhor estado, querendo com isto dizer que o poder de direito não deverá residir nos cidadãos, isto é, na democracia politica, mas sim terá que ser entregue aos grandes grupos económicos, que tudo querem decidir. Basta ouvi-los.

Ora, cabe aos filósofos, e a outros pensadores livres, dizer a todos que a subsistência do Estado Social é essencial para a sua preservação e elucidar os neo-liberais que a redução do tamanho do estado até ao estado simbólico, que preconizam, conduziria à agonia das nações e dos povos, das famílias e dos cidadãos.

O Estado só pode mediar conflitos, naturais nas vivências em sociedade, se não for reduzido aos caprichos de poderosos grupos económicos, sob pena de deixar a maioria dos seres humanos sem qualquer tipo de protecção.

Aja em vista que os grandes grupos económicos e financeiros ou não têm rosto ou raramente o têm. Os seus dirigentes mais importantes ninguém os conhece, constituindo lobys poderosos, com testas-de-ferro bem remunerados que, esses sim, em seu nome, dão a cara, tendo estes no lucro o único objectivo das suas motivações.

O Estado, nas pessoas dos seus representantes, deverá ter como finalidade última não defraudar os princípios que enformam o modelo de sociedade sufragado pelos povos, de modo esclarecido, livre e democraticamente.

O Estado tem que agir, criando condições para que todos usufruam do que a todos pertence. E reagir, se for caso disso. Isto é, quando qualquer tentativa de mudança, fora do modelo criado, pareça querer sobrepor-se.

Nota-se, no nosso tempo, o enfraquecimento do Estado devido àquela fórmula neo-liberal: menos estado melhor estado! Por isso, é muito importante estar atento aos sinais que o sistema de globalização traz e reagir à menor tentativa de mudança fora dos limites que a lei constituinte consagra.

Os cidadãos do mundo não podem adormecer com os discursos muito bonitos e entusiasmantes que os ideólogos do neo-liberalismo propagam. Nunca, por um só momento, deverá ser esquecido o dito popular, que diz: "fulano dá um chouriço a quem lhe der um porco". Esta máxima aplica-se, na sua grande maioria, à política neo-liberal que tantas virtudes reconhece na globalização da economia e da vida humana.

Com efeito o grande capital globalizado, à escala transnacional, vê, nesta política, reconhecidos os seus privilégios e reforçados os seus interesses. Se sem a alteração das constituições nacionais é o que se vê, pense-se no que seria se o neo-liberalismo ganhasse força política e conseguisse mudar os textos constitucionais a seus belo prazer (sic)!

O Estado não pode abdicar da sua função reguladora dos interesses em presença. Os fortes têm sempre protecção, os fracos pagam sempre a factura. Por isso, o estado não pode permitir que os limites sejam ultrapassados. Há limites para a ganância e a sede de poder, mesmo dos pequenos poderes.

A razão de ser do Estado são as pessoas – todas as pessoas. Não apenas uma pequena minoria esclarecida, uma elite, ou um poderoso grupo económico. O principal papel do Estado é preocupar-se com o bem-estar do todo, que é a comunidade que o constitui, e não apenas com uma das suas partes. Com efeito, o caminho é inevitável: reforçar o papel do Estado Social, consubstanciado na regulação dos bens vitais, nos princípios de solidariedade e na criação de igualdade de oportunidades.

(António Pinela, Reflexões, Abril de 2006).

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

COMPORTAMENTO: FREUD E A BUSCA PELA FELICIDADE



Sigmund Freud (1856-1939), em seu opúsculo “O Mal Estar na Civilização”, afirma que o homem anseia pela felicidade e que esta advém da satisfação de prazeres. Essas buscas pelas coisas que nos fazem bem provêm da satisfação (de preferência repentina) de necessidades represadas em alto grau. Ganhar na mega-sena será diferente para um endividado ou um milionário. O enfermo anseia por algo que uma pessoa saudável nem pensa.

Tornarmo-nos pessoas felizes é um impositivo do princípio do prazer que trazemos desde a origem e para o “pai” da psicanálise, isso não pode ser plenamente realizado. Mas nem por isso devemos [ou podemos] deixar de empreender esforços para nos aproximarmos ao máximo desse objetivo.

Uma situação de júbilo, inicialmente intenso (tal como o sucesso numa árdua e arrebatadora conquista amorosa) pode até se prolongar, mas, após certo tempo, ela produz somente um sentimento de contentamento. A felicidade e o prazer proporcionados por tantos bens de consumo se esvaem tão logo o adquirimos: “Somos feitos de modo a só podermos derivar prazer intenso de um contraste, e muito pouco de um determinado estado de coisas”. Embora sejam diversos os meios para alcançarmos a felicidade, é ainda mais fácil experimentarmos a infelicidade.

Significativas fontes de sofrimento são: a) testemunhar a irreversível decrepitude e a certeza da mortalidade de nosso corpo; b) ameaças do próprio mundo externo, cuja destruição, seja fruto do poder superior da natureza ou da violência de nossos semelhantes sempre nos assombram e, c) a maçante tarefa de nos relacionarmos com os outros, no seio da família, em sociedade e no Estado.

As “lamparinas do juízo” nos forçam a reconhecer essa impotência: não há muito a fazer em relação às duas primeiras fontes de angústia. Só nos resta à sensatez de nos submetermos ao inevitável: “Nunca dominaremos completamente a natureza, e o nosso organismo corporal, ele mesmo parte dessa natureza, permanecerá sempre como uma estrutura passageira, com limitada capacidade de adaptação e realização”. Conviver pode ser complicado e nisso talvez consista a maior fonte de infelicidade (lembremo-nos do nosso artigo já publicado aqui, “Sartre – O inferno são os outros”).

Freud diz que não é de admirar que os homens tenham se acostumado a moderar suas reivindicações de felicidade: “Na verdade, o próprio princípio do prazer, sob a influência do mundo externo, se transformou no mais modesto princípio de realidade”. Assim, um indivíduo pode pensar ser feliz, simplesmente porque sobreviveu ao pior.

Espanta-nos a resignação de tantos desafortunados que, habituados à luta de evitar ainda mais sofrimentos, não priorizam obtenção do prazer. (Mal) disfarçadamente, se comprazem ao relatar um caso de pandemia, duma falência, da queda de um avião e proferem de cor a máxima: “antes pobre com saúde...”. Desconfiados, ao se depararem com um rico saudável, sentenciam: não deve ser feliz!

Evita-se sofrimento mantendo distância das pessoas, se isolando. Mas a felicidade passível de ser alcançada assim é apenas a da quietude. Não convivem. Freud aponta o que considera mais plausível: “tornar-se membro da comunidade humana e, com o auxílio de uma técnica orientada pela ciência [entenda-se, trabalho], passar para o ataque à natureza e sujeitá-la à vontade humana”. Eis a razão pela qual a civilização tanto dignifica o trabalho: estamos com todos, para o bem de todos.

Considerando que o sofrimento é sensação e que ele só existe na medida em que o sentimos, o estudioso da psyché (alma) verifica como o uso de prazerosas substâncias que alteram a percepção (álcool ou outro tipo de droga) pode constituir um “amortecedor de preocupações”, um precursor de felicidade. É justamente por deter qualidades tão apreciáveis que o uso desmedido de psicotrópicos é perigoso e capaz de causar grandes danos à humanidade, pois desperdiçam energia que poderia ser “empregada para o aperfeiçoamento do destino humano” (confira meu vídeo sobre esse tema nesse blog).

Eficazes no combate à contrariedade da satisfação dos instintos estão os “agentes psíquicos superiores, que se sujeitaram ao princípio da realidade”. Dessa forma, o ego, através da sublimação, sujeita os desejos irrefreáveis, doma os instintos mais selvagens, a agressividade e a tendência à barbárie. Exemplos desses “agentes psíquicos superiores”, ordenadores, são as leis, os direitos e deveres, o respeito à ordem e a consideração aos nossos semelhantes.

Trabalhar faz bem: “a alegria do artista em criar ou a do cientista em solucionar problemas ou descobrir verdades, possui uma qualidade especial”. Para Freud: “Obtém-se o máximo [de felicidade] quando se consegue intensificar suficientemente a produção de prazer a partir das fontes do trabalho psíquico e intelectual”, que considera “mais refinadas e mais altas”.

Infelizmente, diferente da satisfação de nossos impulsos mais primitivos e grosseiros, essa salutar felicidade pela realização de um trabalho é acessível a poucas pessoas: “pressupõe a posse de dotes e disposições especiais que, para qualquer fim prático, estão longe de ser comuns”. São àqueles que não trabalham somente pela remuneração.

Mesmo um trabalho profundamente gratificante não garante proteção contra as vicissitudes inerentes à vida; e é impossível que, dessa forma, alguém consiga se precaver contra toda forma de sofrimento. Mas ao nos orientarmos para uma espécie de “vida interior”, buscando alento em nossos processos psíquicos internos, intentamos nos tornar independentes, ao máximo possível, das pressões do mundo externo.

Outra forma de felicidade é a que nos proporciona o fruir das ilusões. A beleza é uma promessa de felicidade e a civilização não pode dispensá-la. Quando, em lazer, contemplamos alguma obra de arte (música, literatura, cinema, teatro, shows, exposições, parques e mares), experimentamos uma “suave narcose”. Mas embora isso nos afaste momentaneamente dos problemas, não é forte e constante o suficiente para nos fazer esquecer as preocupações reais.

Dentre os perigos de não se aceitar a realidade, rompendo as relações com ela, está o de nos tornarmos loucos. Assim, na busca cega pela felicidade, rejeitamos a realidade, recriamo-la a nosso gosto, eliminando seus aspectos mais insuportáveis.

É certo que, em algum grau e sob algum determinado aspecto de nossa vida, agimos como o paranóico que “corrige algum aspecto do mundo que lhe é insuportável pela elaboração de um desejo e introduz esse delírio na realidade”. A linha que separa a atitude de quem vê o mundo através de lentes cor-de-rosa da de um ‘louco’ é tênue. O louco é “alguém que (na maioria das vezes) não encontra ninguém para ajudá-lo a tornar real o seu delírio”. Talvez seja por isso que hoje em dia, com a adesão de muitos, inúmeros absurdos nem sejam mais considerados “coisas de louco”.

Freud aponta a religião como um típico exemplo de como a loucura pode ser legitimada, bastando ser compartilhada, por um número significativo de pessoas. Intenta-se obter uma certeza de felicidade e uma proteção contra o sofrimento através de um remodelamento delirante da realidade. A religião, para ele, restringe o jogo de escolha e adaptação, pois impõe, igualmente para todos, como sendo o caminho certo e seguro, tanto para a felicidade quanto como proteção para todo e qualquer sofrimento: “Sua técnica consiste em depreciar o valor da vida e deformar o quadro do mundo real de maneira delirante – maneira que pressupõe uma intimidação da inteligência. A esse preço, por fixá-las à força num estado de infantilismo psicológico e por arrastá-las a um delírio de massa, a religião consegue poupar a muitas pessoas uma neurose individual”.

O fervor da fé, presente no coração de uma pessoa extremamente religiosa pode poupá-la da dor e do sofrimento? Quando um crente/temente, acometido por alguma desgraça se vê obrigado a creditar a causa de sua angústia e desespero a algum insondável “desígnio” de Deus, nada mais faz senão admitir que tudo o que lhe restou de consolo foi essa sua submissão incondicional ao imponderável. Para o psicanalista, se o ser humano estiver lucidamente cônscio de que é passível de vir a se deparar com essas adversidades, pode muito bem dispensar fundamentalismos.

Amar e ser amado! O amor também é um caminho para a felicidade. Mas, dentre os perigos do amor, está a vulnerabilidade à qual nos sujeitamos: podemos perder nosso objeto de amor ou o sentimento de amor que o amado nutre por nós pode acabar. Mesmo assim: “Há porventura, algo mais natural do que persistirmos na busca da felicidade do modo como a encontramos pela primeira vez?” indaga o analista da psyché.

É ilusão imaginarmos que tenhamos tudo o que desejamos: “A felicidade, no reduzido sentido em que a reconhecemos como possível, constitui um problema da economia da libido do indivíduo”. Resta descobrir, por nós mesmos, de que modo podemos ser felizes, ponderando sobre quanto de satisfação real podemos esperar do mundo exterior, quanta força dispomos para alterar o mundo que nos cerca a fim de adaptá-lo aos nossos desejos e também de adequar nossos desejos a ele.

Nessa empreitada, ainda mais relevante que as circunstâncias externas, será nossa constituição psíquica. Embora sejamos multifacetados (e estejamos sempre em mudança ao longo da vida), o indivíduo predominante erótico, por exemplo, priorizará seus relacionamentos emocionais. Os narcisistas, solitária e auto-suficientes, encontrarão mais satisfação em seus processos mentais internos. Não por acaso, quase sempre são muitíssimo bem sucedidos profissionalmente. Já o homem de ação, indômito, jamais abandonará o mundo externo, palco ideal para por em teste suas forças.

Freud nos ensina que, assim como um negociante cauteloso não cometeria a insensatez de empregar todo seu capital somente num tipo de negócio, a própria sabedoria popular nos alerta a não depositar nossa expectativa de felicidade e de satisfação numa única aspiração. Embora assegure que “Não existe regra de ouro que se aplique a todos”, alguns caminhos nos levam à felicidade. Acalentemos um amor, zelemos pela família, ocupemo-nos com prazer, apreciemos (com moderação!) as "suaves narcoses", cultivemos sinceras amizades e, para que não sejamos dilacerados, resignemo-nos ao inescrutável propósito maior, no caso de tudo falhar.

Por Luciene Félix
Agosto de 2009

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

HUMANISMO COMO PATOLOGIA



Vladimir Safatle: O humanismo parece querer nos ensinar a cartilha do passado

Há palavras que só podem ser escutadas quando gritadas. Só que, para gritar, é necessário força e, quando algumas dessas palavras não têm mais força para serem gritadas, a única coisa que resta é esperar que elas sejam ouvidas quando reduzirmos tudo o que nelas se contrapõe ao silêncio.
Percebamos, com os olhos de quem descobre um sintoma revelador, que aqueles que gostam de ancorar no porto do “humanismo” são os mesmos que não cansam de olhar para outros mares e chamar os que lá navegam de “niilistas”, “irracionalistas” e, se for necessário, até mesmo de “terroristas”. A estratégia é clara. A partir do momento em que a designação for imposta, nada mais falaremos do designado, pois simplesmente não será possível falar com ele, porque ele, no fundo, nada fala, haveria muito “fanatismo” nesses simulacros de sons e argumentos que ele chama de “fala”, haveria muito “ressentimento” em suas intenções, haveria muito “niilismo” em suas ações.

Bento Prado Júnior, que sabia muito bem o que esse tipo de esconjuração esconde, costumava lembrar, nessas situações, que: “Sempre se é o irracionalista de alguém”. Tudo indica que, infelizmente, caminhamos para um tempo em que será necessário acrescentar: “Sempre se é o niilista de alguém” e, pior, “Sempre se é o terrorista de alguém”. Ou seja, sempre há alguém a querer nos expulsar da razão, da criação, da política. Acusações dessa natureza são apenas a última arma desesperada daqueles que têm medo de a crítica ir “longe demais”, colocar em questão o que, para alguns, não deveria ser questionado, transformar a crítica, de mera comparação entre valores e caso, no questionamento de nossos próprios valores fundamentais.

Natureza segregadora e totalitária

Nesse sentido, que o humanismo só possa atualmente ser pronunciado por meio dessas suas designações impronunciáveis, que ele só possa ser enunciado abrindo esse lugar vazio para o qual todos aqueles que não se reconhecem mais na figura atual do homem devam ser enviados, isso apenas demonstra sua natureza profundamente segregadora e totalitária. Pois, daqui para a frente, o humanismo sempre virá para nos pregar o evangelho da tolerância de condomínio fechado, o racionalismo daqueles que acreditam que a maior realização da justiça é a guerra preventiva contra qualquer coisa que estiver geograficamente a leste da Turquia, daqueles que estão dispostos a falar com todos, desde que todos falem a língua dos seus valores e princípios.

Acima de tudo, “humanismo” será a palavra preferida daqueles que querem nos exilar no presente. Pois uma das maiores características do século 20 foi a luta pela abertura do que ainda não tem figura, luta pela advento daquilo que não se esgota na repetição compulsiva do homem atual e de seus modos. Essas lutas podem ser encontradas nas discussões próprias aos campos da estética, da política, das clínicas da subjetividade, da filosofia. Em vários momentos de nossa história recente, elas mostraram grande força para mover a história, engajar sujeitos na capacidade de viver para além do presente. No entanto, vemos atualmente um grande esforço em apagar tal história, isso quando não se trata de simplesmente criminalizá-la, como se as tentativas do passado de escapar das limitações da figura atual do homem devessem ser compreendidas, em sua integralidade, como a simples descrição de processos que necessariamente se realizariam como catástrofe. Como se não fosse mais possível olhar para trás, pensar em maneiras novas de recuperar tais momentos nos quais o tempo para e as possibilidades de metamorfose do humano são múltiplas. Pois o humanismo parece querer nos ensinar a cartilha do passado que cheira ao enxofre da catástrofe e o futuro que não pode ser muito diferente daquilo que já existe. Talvez seja o caso, então, de dizer que tudo o que seus defensores, brandos ou não, conseguirão é bloquear nossa capacidade de agir com base em uma humanidade por vir, nos acostumar com um presente no qual, no fundo, ninguém acredita e a respeito do qual muitos já se cansaram. Ou seja, elevar o medo a afeto central da política.

Publicado em 17 de novembro de 2010 no http://revistacult.uol.com.br/home/2010/11/humanismo-como-patologia/