segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

O ESTADO SOCIAL É O CAMINHO


(*) O texto é de um autor português e o link encontra-se ao final

Face às actuais políticas neo-liberais, tão cantadas e elogiadas um pouco por todo o lado, que papel caberia ao estado, na sociedade contemporânea, se estas tivessem acolhimento, uma vez que tais políticas tenderiam a reduzir o papel do estado a uma simples função residual?

Os neo-liberais apregoam aos quatros cantos do mundo que querem menos estado e melhor estado, querendo com isto dizer que o poder de direito não deverá residir nos cidadãos, isto é, na democracia politica, mas sim terá que ser entregue aos grandes grupos económicos, que tudo querem decidir. Basta ouvi-los.

Ora, cabe aos filósofos, e a outros pensadores livres, dizer a todos que a subsistência do Estado Social é essencial para a sua preservação e elucidar os neo-liberais que a redução do tamanho do estado até ao estado simbólico, que preconizam, conduziria à agonia das nações e dos povos, das famílias e dos cidadãos.

O Estado só pode mediar conflitos, naturais nas vivências em sociedade, se não for reduzido aos caprichos de poderosos grupos económicos, sob pena de deixar a maioria dos seres humanos sem qualquer tipo de protecção.

Aja em vista que os grandes grupos económicos e financeiros ou não têm rosto ou raramente o têm. Os seus dirigentes mais importantes ninguém os conhece, constituindo lobys poderosos, com testas-de-ferro bem remunerados que, esses sim, em seu nome, dão a cara, tendo estes no lucro o único objectivo das suas motivações.

O Estado, nas pessoas dos seus representantes, deverá ter como finalidade última não defraudar os princípios que enformam o modelo de sociedade sufragado pelos povos, de modo esclarecido, livre e democraticamente.

O Estado tem que agir, criando condições para que todos usufruam do que a todos pertence. E reagir, se for caso disso. Isto é, quando qualquer tentativa de mudança, fora do modelo criado, pareça querer sobrepor-se.

Nota-se, no nosso tempo, o enfraquecimento do Estado devido àquela fórmula neo-liberal: menos estado melhor estado! Por isso, é muito importante estar atento aos sinais que o sistema de globalização traz e reagir à menor tentativa de mudança fora dos limites que a lei constituinte consagra.

Os cidadãos do mundo não podem adormecer com os discursos muito bonitos e entusiasmantes que os ideólogos do neo-liberalismo propagam. Nunca, por um só momento, deverá ser esquecido o dito popular, que diz: "fulano dá um chouriço a quem lhe der um porco". Esta máxima aplica-se, na sua grande maioria, à política neo-liberal que tantas virtudes reconhece na globalização da economia e da vida humana.

Com efeito o grande capital globalizado, à escala transnacional, vê, nesta política, reconhecidos os seus privilégios e reforçados os seus interesses. Se sem a alteração das constituições nacionais é o que se vê, pense-se no que seria se o neo-liberalismo ganhasse força política e conseguisse mudar os textos constitucionais a seus belo prazer (sic)!

O Estado não pode abdicar da sua função reguladora dos interesses em presença. Os fortes têm sempre protecção, os fracos pagam sempre a factura. Por isso, o estado não pode permitir que os limites sejam ultrapassados. Há limites para a ganância e a sede de poder, mesmo dos pequenos poderes.

A razão de ser do Estado são as pessoas – todas as pessoas. Não apenas uma pequena minoria esclarecida, uma elite, ou um poderoso grupo económico. O principal papel do Estado é preocupar-se com o bem-estar do todo, que é a comunidade que o constitui, e não apenas com uma das suas partes. Com efeito, o caminho é inevitável: reforçar o papel do Estado Social, consubstanciado na regulação dos bens vitais, nos princípios de solidariedade e na criação de igualdade de oportunidades.

(António Pinela, Reflexões, Abril de 2006).

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

COMPORTAMENTO: FREUD E A BUSCA PELA FELICIDADE



Sigmund Freud (1856-1939), em seu opúsculo “O Mal Estar na Civilização”, afirma que o homem anseia pela felicidade e que esta advém da satisfação de prazeres. Essas buscas pelas coisas que nos fazem bem provêm da satisfação (de preferência repentina) de necessidades represadas em alto grau. Ganhar na mega-sena será diferente para um endividado ou um milionário. O enfermo anseia por algo que uma pessoa saudável nem pensa.

Tornarmo-nos pessoas felizes é um impositivo do princípio do prazer que trazemos desde a origem e para o “pai” da psicanálise, isso não pode ser plenamente realizado. Mas nem por isso devemos [ou podemos] deixar de empreender esforços para nos aproximarmos ao máximo desse objetivo.

Uma situação de júbilo, inicialmente intenso (tal como o sucesso numa árdua e arrebatadora conquista amorosa) pode até se prolongar, mas, após certo tempo, ela produz somente um sentimento de contentamento. A felicidade e o prazer proporcionados por tantos bens de consumo se esvaem tão logo o adquirimos: “Somos feitos de modo a só podermos derivar prazer intenso de um contraste, e muito pouco de um determinado estado de coisas”. Embora sejam diversos os meios para alcançarmos a felicidade, é ainda mais fácil experimentarmos a infelicidade.

Significativas fontes de sofrimento são: a) testemunhar a irreversível decrepitude e a certeza da mortalidade de nosso corpo; b) ameaças do próprio mundo externo, cuja destruição, seja fruto do poder superior da natureza ou da violência de nossos semelhantes sempre nos assombram e, c) a maçante tarefa de nos relacionarmos com os outros, no seio da família, em sociedade e no Estado.

As “lamparinas do juízo” nos forçam a reconhecer essa impotência: não há muito a fazer em relação às duas primeiras fontes de angústia. Só nos resta à sensatez de nos submetermos ao inevitável: “Nunca dominaremos completamente a natureza, e o nosso organismo corporal, ele mesmo parte dessa natureza, permanecerá sempre como uma estrutura passageira, com limitada capacidade de adaptação e realização”. Conviver pode ser complicado e nisso talvez consista a maior fonte de infelicidade (lembremo-nos do nosso artigo já publicado aqui, “Sartre – O inferno são os outros”).

Freud diz que não é de admirar que os homens tenham se acostumado a moderar suas reivindicações de felicidade: “Na verdade, o próprio princípio do prazer, sob a influência do mundo externo, se transformou no mais modesto princípio de realidade”. Assim, um indivíduo pode pensar ser feliz, simplesmente porque sobreviveu ao pior.

Espanta-nos a resignação de tantos desafortunados que, habituados à luta de evitar ainda mais sofrimentos, não priorizam obtenção do prazer. (Mal) disfarçadamente, se comprazem ao relatar um caso de pandemia, duma falência, da queda de um avião e proferem de cor a máxima: “antes pobre com saúde...”. Desconfiados, ao se depararem com um rico saudável, sentenciam: não deve ser feliz!

Evita-se sofrimento mantendo distância das pessoas, se isolando. Mas a felicidade passível de ser alcançada assim é apenas a da quietude. Não convivem. Freud aponta o que considera mais plausível: “tornar-se membro da comunidade humana e, com o auxílio de uma técnica orientada pela ciência [entenda-se, trabalho], passar para o ataque à natureza e sujeitá-la à vontade humana”. Eis a razão pela qual a civilização tanto dignifica o trabalho: estamos com todos, para o bem de todos.

Considerando que o sofrimento é sensação e que ele só existe na medida em que o sentimos, o estudioso da psyché (alma) verifica como o uso de prazerosas substâncias que alteram a percepção (álcool ou outro tipo de droga) pode constituir um “amortecedor de preocupações”, um precursor de felicidade. É justamente por deter qualidades tão apreciáveis que o uso desmedido de psicotrópicos é perigoso e capaz de causar grandes danos à humanidade, pois desperdiçam energia que poderia ser “empregada para o aperfeiçoamento do destino humano” (confira meu vídeo sobre esse tema nesse blog).

Eficazes no combate à contrariedade da satisfação dos instintos estão os “agentes psíquicos superiores, que se sujeitaram ao princípio da realidade”. Dessa forma, o ego, através da sublimação, sujeita os desejos irrefreáveis, doma os instintos mais selvagens, a agressividade e a tendência à barbárie. Exemplos desses “agentes psíquicos superiores”, ordenadores, são as leis, os direitos e deveres, o respeito à ordem e a consideração aos nossos semelhantes.

Trabalhar faz bem: “a alegria do artista em criar ou a do cientista em solucionar problemas ou descobrir verdades, possui uma qualidade especial”. Para Freud: “Obtém-se o máximo [de felicidade] quando se consegue intensificar suficientemente a produção de prazer a partir das fontes do trabalho psíquico e intelectual”, que considera “mais refinadas e mais altas”.

Infelizmente, diferente da satisfação de nossos impulsos mais primitivos e grosseiros, essa salutar felicidade pela realização de um trabalho é acessível a poucas pessoas: “pressupõe a posse de dotes e disposições especiais que, para qualquer fim prático, estão longe de ser comuns”. São àqueles que não trabalham somente pela remuneração.

Mesmo um trabalho profundamente gratificante não garante proteção contra as vicissitudes inerentes à vida; e é impossível que, dessa forma, alguém consiga se precaver contra toda forma de sofrimento. Mas ao nos orientarmos para uma espécie de “vida interior”, buscando alento em nossos processos psíquicos internos, intentamos nos tornar independentes, ao máximo possível, das pressões do mundo externo.

Outra forma de felicidade é a que nos proporciona o fruir das ilusões. A beleza é uma promessa de felicidade e a civilização não pode dispensá-la. Quando, em lazer, contemplamos alguma obra de arte (música, literatura, cinema, teatro, shows, exposições, parques e mares), experimentamos uma “suave narcose”. Mas embora isso nos afaste momentaneamente dos problemas, não é forte e constante o suficiente para nos fazer esquecer as preocupações reais.

Dentre os perigos de não se aceitar a realidade, rompendo as relações com ela, está o de nos tornarmos loucos. Assim, na busca cega pela felicidade, rejeitamos a realidade, recriamo-la a nosso gosto, eliminando seus aspectos mais insuportáveis.

É certo que, em algum grau e sob algum determinado aspecto de nossa vida, agimos como o paranóico que “corrige algum aspecto do mundo que lhe é insuportável pela elaboração de um desejo e introduz esse delírio na realidade”. A linha que separa a atitude de quem vê o mundo através de lentes cor-de-rosa da de um ‘louco’ é tênue. O louco é “alguém que (na maioria das vezes) não encontra ninguém para ajudá-lo a tornar real o seu delírio”. Talvez seja por isso que hoje em dia, com a adesão de muitos, inúmeros absurdos nem sejam mais considerados “coisas de louco”.

Freud aponta a religião como um típico exemplo de como a loucura pode ser legitimada, bastando ser compartilhada, por um número significativo de pessoas. Intenta-se obter uma certeza de felicidade e uma proteção contra o sofrimento através de um remodelamento delirante da realidade. A religião, para ele, restringe o jogo de escolha e adaptação, pois impõe, igualmente para todos, como sendo o caminho certo e seguro, tanto para a felicidade quanto como proteção para todo e qualquer sofrimento: “Sua técnica consiste em depreciar o valor da vida e deformar o quadro do mundo real de maneira delirante – maneira que pressupõe uma intimidação da inteligência. A esse preço, por fixá-las à força num estado de infantilismo psicológico e por arrastá-las a um delírio de massa, a religião consegue poupar a muitas pessoas uma neurose individual”.

O fervor da fé, presente no coração de uma pessoa extremamente religiosa pode poupá-la da dor e do sofrimento? Quando um crente/temente, acometido por alguma desgraça se vê obrigado a creditar a causa de sua angústia e desespero a algum insondável “desígnio” de Deus, nada mais faz senão admitir que tudo o que lhe restou de consolo foi essa sua submissão incondicional ao imponderável. Para o psicanalista, se o ser humano estiver lucidamente cônscio de que é passível de vir a se deparar com essas adversidades, pode muito bem dispensar fundamentalismos.

Amar e ser amado! O amor também é um caminho para a felicidade. Mas, dentre os perigos do amor, está a vulnerabilidade à qual nos sujeitamos: podemos perder nosso objeto de amor ou o sentimento de amor que o amado nutre por nós pode acabar. Mesmo assim: “Há porventura, algo mais natural do que persistirmos na busca da felicidade do modo como a encontramos pela primeira vez?” indaga o analista da psyché.

É ilusão imaginarmos que tenhamos tudo o que desejamos: “A felicidade, no reduzido sentido em que a reconhecemos como possível, constitui um problema da economia da libido do indivíduo”. Resta descobrir, por nós mesmos, de que modo podemos ser felizes, ponderando sobre quanto de satisfação real podemos esperar do mundo exterior, quanta força dispomos para alterar o mundo que nos cerca a fim de adaptá-lo aos nossos desejos e também de adequar nossos desejos a ele.

Nessa empreitada, ainda mais relevante que as circunstâncias externas, será nossa constituição psíquica. Embora sejamos multifacetados (e estejamos sempre em mudança ao longo da vida), o indivíduo predominante erótico, por exemplo, priorizará seus relacionamentos emocionais. Os narcisistas, solitária e auto-suficientes, encontrarão mais satisfação em seus processos mentais internos. Não por acaso, quase sempre são muitíssimo bem sucedidos profissionalmente. Já o homem de ação, indômito, jamais abandonará o mundo externo, palco ideal para por em teste suas forças.

Freud nos ensina que, assim como um negociante cauteloso não cometeria a insensatez de empregar todo seu capital somente num tipo de negócio, a própria sabedoria popular nos alerta a não depositar nossa expectativa de felicidade e de satisfação numa única aspiração. Embora assegure que “Não existe regra de ouro que se aplique a todos”, alguns caminhos nos levam à felicidade. Acalentemos um amor, zelemos pela família, ocupemo-nos com prazer, apreciemos (com moderação!) as "suaves narcoses", cultivemos sinceras amizades e, para que não sejamos dilacerados, resignemo-nos ao inescrutável propósito maior, no caso de tudo falhar.

Por Luciene Félix
Agosto de 2009

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

BRASIL: STJ Adia Decisão Sobre União Estável de Casal Gay



Homossexual do RS pede partilha de bens após relação de 11 anos. Ministro Raul Araújo pediu vista; julgamento não tem data para ser retomado.

Pedido de vista do ministro Raul Araújo adiou nesta quarta-feira (23) uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre o reconhecimento de união estável de um casal homossexual do Rio Grande do Sul. Após a separação do casal, um dos parceiros pediu partilha de bens. O caso é pioneiro e pode mudar o entendimento da Justiça sobre os relacionamentos entre gays.

O STJ não reconhece a união estável entre pessoas do mesmo sexo. Caso esse tipo de relacionamento seja validado pelo tribunal, cria-se um precedente que poderá ser seguido pelas instâncias inferiores em situações semelhantes.

Dessa forma, casais gays poderão ter reconhecidos na Justiça direitos que antes eram garantidos apenas a casais heterossexuais, como direito a herança e partilha de bens adquiridos durante a convivência.

O autor da ação afirma ter vivido por 11 anos com o parceiro, entre 1993 e 2004. Terminado o relacionamento, ele pediu a partilha dos bens e o pagamento de pensão, alegando que dependia financeiramente do parceiro durante o relacionamento.

Segundo o autor, durante os anos de convivência, o casal adquiriu bens que foram registrados apenas no nome do parceiro. Na primeira instância, a Justiça reconheceu a união estável e determinou a partilha dos bens adquiridos durante a convivência, além de fixar pensão de R$ 1.000 até a divisão dos bens.

Ao analisar recurso, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) derrubou a obrigação do pagamento de pensão, mas manteve o reconhecimento da união. O autor da ação relata que era dependente do cartão de crédito do parceiro, beneficiário de um seguro de vida em nome dos dois.

A relatora do caso, ministra Nancy Andrighi, votou a favor do reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo. Segundo ela, desde que haja estabilidade no relacionamento, vale a premissa de que não é necessário comprovar quem adquiriu os bens para que seja feita a partilha.

A ministra ressaltou que a lei não regulamenta relações afetivas entre pessoas do mesmo sexo e afirmou que, mesmo na ausência de normas, o direito precisa garantir os direitos fundamentais.

“Enquanto a norma não se amolda à realidade, é dever do juiz emprestar efeitos jurídicos adequados a relações já existentes, a fim de evitar a velada permissão conferida pelo silêncio da lei. A ausência de previsão legal jamais pode servir de pretexto para decisões omissas ou ainda calcadas em raciocínios preconceituosos, evitando, assim, que seja negado o direito à felicidade da pessoa humana”, afirmou a relatora do caso.

Antes de ser suspenso o julgamento, quatro ministros votaram a favor do reconhecimento da união estável entre parceiros homossexuais e apenas dois contra. “As relações homossexuais precisam ser retiradas da marginalidade jurídica e do olhar preconceituoso da sociedade. Eles [homossexuais] não querem ser sócios; querem formar uma família”, afirmou o ministro João Otávio de Noronha.

O ministro Raul Araújo, responsável pelo pedido de vista, não tem prazo para levar o processo novamente ao plenário. Ele já pediu vista em outro processo semelhante, de relatoria do ministro João Otávio Noronha.

por Débora Santos
do G1 - Brasília
em 23.02.2011 as 17:47h

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

EDITORIAL: DILMA, A INFLAÇÃO E A PROPOSTA DE NOVOS MINISTÉRIOS



Com um perfil técnico e austero e diferente do demagógico ex-presidente Lula, a presidente Dilma Rousseff vem promovendo alguns cortes orçamentários com o fim de ajudar na desaceleração da inflação.

Como os senhores sabem, o nosso blog não tem o escopo de discutir a fundo questões de alta indagação na seara econômica.

Ocorre que, desde o início do ano, quando o idiota do brasileiro caiu na real depois do efeito hipinótico das festas de final de ano, muito se falou em alta dos alimentos e dos serviços básicos acima da inflação, tendo como maior vilã a carne bovina.

Uma das medidas adotadas pelo governo, que foi bem acanhadinha, diga-se de passagem, foi a facada nos gastos públicos. Sem planejamento não há responsabilidade fiscal! A conta do ano eleitoral está sendo fechada agora e vamos viver meses terríveis em virtude dos descalabros governistas feitos em prol da manutenção do poder. Será que leram "O Príncipe"?

É bem verdade que o governo não vai deixar o povo fora dessa. Seremos mais uma vez submetidos a juros escorchantes, dignos de países de primeiro mundo que têm, graciosamente ou com módicas tarifas, e com qualidade, excelentes sistemas de saúde, educação, segurança e transporte.

Além dos juros, teremos, evidentemente, um aumento significativo na carga tributária, caso não haja correção na tabela do imposto de renda.

Há ainda quem faça coro para a volta da CPMF. Agora com outro nome, alíquota e também aplicabilidade: auxiliar os quebrados estados do nordeste.

Em um momento como esse, todavia, a nossa presidente Dilma Rousseff reafirmou nesta segunda-feira que criará um ministério específico para cuidar das pequenas e médias empresas, promessa feita por ela durante a campanha eleitoral, e uma secretaria para tratar de irrigação, dentro da estrutura do Ministério de Integração Nacional. A presidenta não informou, no entanto, o prazo para a criação dos dois órgãos. "Nós temos que incentivar o surgimento de pequenos e médios vitoriosos", disse a presidente ao falar da nova pasta.

Dilma disse ainda que uma das funções estratégicas da nova pasta será a de incentivar arranjos produtivos locais, em parceria com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC).

O anúncio foi feito no 12º Fórum de Governadores do Nordeste, em Barra dos Coqueiros (SE). Do fórum participam governadores dos nove Estados nordestinos, além do governador de Minas Gerais, Antonio Anastasia. Apesar de Minas Gerais pertencer à região sudeste, o norte mineiro possui características climáticas e sociais semelhantes às da região nordestina e, por isso, está incluído entre os Estados que recebem incentivos da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene).

O tom usado pela presidente no discurso de abertura do fórum foi no sentido de acalmar os governadores, apreensivos com o corte anunciado pelo governo de R$ 50 bilhões no Orçamento da União deste ano. Dilma destacou a importância de preservar os investimentos no nordeste. Entre as iniciativas de sucesso citadas pela presidente está o polo textil do Agreste de Pernambuco, que envolve os municípios de Caruaru, Toritama e Santa Cruz do Capiberibe, além do Porto Digital de Recife, que congrega microempresas da área de alta tecnologia.

Já a futura secretaria de irrigação cuidará principalmente, de acordo com Dilma, da região nordeste. "Queremos recuperar áreas já irrigadas e ampliar outros perímetros", disse a presidenta. A presidente ainda informou que o governo pretende criar um programa de acesso individual à água, com obras pontuais de construção de cisternas.

Lembrem-se que o nordeste apoiou fortemente a candidatura da presidente, daí o "carinho" com o qual ela está cuidando da região.

Tudo isso, meus caros, foi reafirmado ontem. Isso mesmo! Num momento como esse era hora de anunciar a criação de mais despesa pública? Sabe quem paga por isso? VOCÊ!

HUMANISMO COMO PATOLOGIA



Vladimir Safatle: O humanismo parece querer nos ensinar a cartilha do passado

Há palavras que só podem ser escutadas quando gritadas. Só que, para gritar, é necessário força e, quando algumas dessas palavras não têm mais força para serem gritadas, a única coisa que resta é esperar que elas sejam ouvidas quando reduzirmos tudo o que nelas se contrapõe ao silêncio.
Percebamos, com os olhos de quem descobre um sintoma revelador, que aqueles que gostam de ancorar no porto do “humanismo” são os mesmos que não cansam de olhar para outros mares e chamar os que lá navegam de “niilistas”, “irracionalistas” e, se for necessário, até mesmo de “terroristas”. A estratégia é clara. A partir do momento em que a designação for imposta, nada mais falaremos do designado, pois simplesmente não será possível falar com ele, porque ele, no fundo, nada fala, haveria muito “fanatismo” nesses simulacros de sons e argumentos que ele chama de “fala”, haveria muito “ressentimento” em suas intenções, haveria muito “niilismo” em suas ações.

Bento Prado Júnior, que sabia muito bem o que esse tipo de esconjuração esconde, costumava lembrar, nessas situações, que: “Sempre se é o irracionalista de alguém”. Tudo indica que, infelizmente, caminhamos para um tempo em que será necessário acrescentar: “Sempre se é o niilista de alguém” e, pior, “Sempre se é o terrorista de alguém”. Ou seja, sempre há alguém a querer nos expulsar da razão, da criação, da política. Acusações dessa natureza são apenas a última arma desesperada daqueles que têm medo de a crítica ir “longe demais”, colocar em questão o que, para alguns, não deveria ser questionado, transformar a crítica, de mera comparação entre valores e caso, no questionamento de nossos próprios valores fundamentais.

Natureza segregadora e totalitária

Nesse sentido, que o humanismo só possa atualmente ser pronunciado por meio dessas suas designações impronunciáveis, que ele só possa ser enunciado abrindo esse lugar vazio para o qual todos aqueles que não se reconhecem mais na figura atual do homem devam ser enviados, isso apenas demonstra sua natureza profundamente segregadora e totalitária. Pois, daqui para a frente, o humanismo sempre virá para nos pregar o evangelho da tolerância de condomínio fechado, o racionalismo daqueles que acreditam que a maior realização da justiça é a guerra preventiva contra qualquer coisa que estiver geograficamente a leste da Turquia, daqueles que estão dispostos a falar com todos, desde que todos falem a língua dos seus valores e princípios.

Acima de tudo, “humanismo” será a palavra preferida daqueles que querem nos exilar no presente. Pois uma das maiores características do século 20 foi a luta pela abertura do que ainda não tem figura, luta pela advento daquilo que não se esgota na repetição compulsiva do homem atual e de seus modos. Essas lutas podem ser encontradas nas discussões próprias aos campos da estética, da política, das clínicas da subjetividade, da filosofia. Em vários momentos de nossa história recente, elas mostraram grande força para mover a história, engajar sujeitos na capacidade de viver para além do presente. No entanto, vemos atualmente um grande esforço em apagar tal história, isso quando não se trata de simplesmente criminalizá-la, como se as tentativas do passado de escapar das limitações da figura atual do homem devessem ser compreendidas, em sua integralidade, como a simples descrição de processos que necessariamente se realizariam como catástrofe. Como se não fosse mais possível olhar para trás, pensar em maneiras novas de recuperar tais momentos nos quais o tempo para e as possibilidades de metamorfose do humano são múltiplas. Pois o humanismo parece querer nos ensinar a cartilha do passado que cheira ao enxofre da catástrofe e o futuro que não pode ser muito diferente daquilo que já existe. Talvez seja o caso, então, de dizer que tudo o que seus defensores, brandos ou não, conseguirão é bloquear nossa capacidade de agir com base em uma humanidade por vir, nos acostumar com um presente no qual, no fundo, ninguém acredita e a respeito do qual muitos já se cansaram. Ou seja, elevar o medo a afeto central da política.

Publicado em 17 de novembro de 2010 no http://revistacult.uol.com.br/home/2010/11/humanismo-como-patologia/



segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

A DEMOCRACIA MODERNA E A ESTETICA DA MOEDA



Na sociedade em que tudo se pauta pela exibição midiática, desaparece o pudor, atestando-se o enfraquecimento do sentimento de vergonha ligado à moral social

Olgária Matos
Ilustração Adriano Paulino

Favorecimentos ilícitos, informações privilegiadas, tráfico de influências, gratificações particulares, desvio de verbas públicas, suborno, omissões por interesses próprios ou partidários, formação de cartéis e negligências várias são, nas democracias modernas, práticas de corrupção e, como tais, sujeitas às leis que regulam infrações.

Deixando-se, pois, à Justiça a função de julgar, absolver ou condenar o governador do Distrito Federal José Roberto Arruda, em 2010, sua detenção suscitou, como veiculado pela mídia, júbilo, como ocorreu também com a do ex-governador Paulo Maluf, a dos proprietários da Daslu e da Schincariol, respectivamente. Os dominantes não estão acima da lei.

Como, desde o impeachment do ex-presidente Fernando Collor até o presente momento, o fenômeno só se tem ampliado – não se tratando apenas de segredo de informação como antes, mas de algo com maior visibilidade agora –, compreende-se que as diversas figuras da corrupção não são fato isolado, mas atravessam a sociedade inteira.

Identificando nas democracias contemporâneas dispositivos que colocam as práticas autorizadas no limiar da ilegalidade, o filósofo Walter Benjamin anotou: “O valor venal de cada poder é calculável. Nesse contexto só se pode falar de corrupção onde esse fenômeno se torna excessivamente manipulado. Tem seu sistema de comando num sólido jogo entrelaçado de imprensa, órgãos públicos, trustes, dentro de cujos limites permanece inteiramente legal” (“Imagens de Pensamento”, Rua de Mão Única).

A violência da moeda

O dinheiro como valor hegemônico na sociedade contemporânea supostamente promove a ascensão social, baseada exclusivamente em critérios econômicos e no prestígio do dinheiro. Em seu livro O Processo Civilizatório, Norbert Elias analisa os primórdios da “revolução burguesa” na França, indicando a democratização dos costumes da corte. A burguesia, no esforço de alcançar uma legitimidade que não fosse a do dinheiro (que ainda não se impusera como valor), procurou “aristocratizar-se”, adotando a etiqueta e “as boas maneiras” como medidas da polidez e da convivialidade. Como lhe faltava o universo de tradições e méritos da nobreza, esforçou-se para ascender aos bens culturais.

Mas, com a institucionalização da sociedade de consumo, os bens culturais, que exigiam iniciação para serem compreendidos em suas linguagens próprias – como as artes e os saberes literários –, foram sendo abandonados e passaram a se reger pela obsolescência constante. De onde o advento de “modas intelectuais”. A ideologia do “novo-rico” prescinde até mesmo do “verniz da cultura”.

A ideologia dominante em uma sociedade, como Marx observou, é a da classe dominante, e, em nosso tempo, a dos “novos-ricos”. O “novo-rico” é aquele que conhece o preço de todas as coisas, mas desconhece seu valor. Sob seus auspícios, a educação produz uma cultura que atrofia a sensibilidade e o pensamento; a educação é entendida pela ideologia do “novo-rico” como “ serviço” e como mercadoria mais ou menos barata, dos quais o novo-rico é cliente e consumidor.

A perda da autoridade

A política institucional contemporânea participa da falência da escolaridade e da ética que a ela se vinculava quando a educação, ao menos em seus princípios fundadores, humanistas e republicanos, propunha, primordialmente, formar as crianças para fazer delas adultos mais felizes e melhores.

As detenções espetaculares de acusados de crimes do “colarinho branco” promovem uma pseudocatarse da sociedade, de onde não estão ausentes a agressividade e a “pulsão de morte”. Do outro lado, a estética “novo-rico” opera com dólares nos sapatos ou maços de reais nas roupas íntimas.

Na sociedade panóptica, em que tudo se pauta pela exibição midiática, desaparece o pudor, atestando-se o enfraquecimento do sentimento de vergonha ligado à moral social que, por sua vez, diz respeito à “flexibilização” do sentimento de culpa na consciência moral. O fim da autoridade paterna e o “pai humilhado” coincidem com a sociedade infantilizada em que não se reconhece mais a diferença entre as gerações, entre pais e filhos, masculino e feminino, bom gosto e mau gosto. Em tempos comandados pela ideologia “novo-rico”, tudo pode ser dito e mostrado; cada um de nós é chamado a apresentar em público atos e sentimentos como se fossem ideias.

Mídia e difamação: o comprometimento da democracia

A República moderna e a democracia, em suas origens e fundamentos, basearam-se, uma vez associadas, na confiança e no “franco dizer” de todos os cidadãos, isto é, na liberdade de expressão, diversa, esta, da delação. Porque hoje prospera a desconfiança como forma de sociabilidade, as delações programadas e premiadas – elaboração de dossiês sensacionalistas em época eleitoral ou denúncias por parte de funcionários e auxiliares de governo – estão se constituindo como práticas reconhecidas e aceitas pelos poderes instituídos e pela opinião pública, com recompensa cash e com a diminuição de penas criminais dos delatores quando estes são criminosos condenados pela Justiça.

O convite à delação tem uma história, cuja expressão mais próxima foi a Revolução Francesa, que reabilitou as medidas do Ancien Régime em jornais publicados entre 1789 e 1791, como La Dénonciation Patriote (A Denúncia Patriótica), L´Espion de Paris (O Espião de Paris) e L’Écouteur aux Portes (O Espreitador de Portas). Denúncias de vizinhos, cartas anônimas ou dossiês preparados para esses fins ocorreram também durante a ocupação alemã em Paris, na Segunda Guerra Mundial, bem como foi rotina nos regimes totalitários, na Alemanha durante o nazismo e na URSS, convertendo-se em política de Estado sob Stalin.

Da demagogia à difamação, do jogo com as engrenagens da Justiça ao direcionamento da opinião pública, da obsessão com a segurança nacional ao patriotismo perverso, da vigilância cidadã ao fim da tranquilidade individual, da defesa do bem público à transgressão do espaço privado, a delação está ligada aos momentos mais sombrios da história. O estudo da delação ao longo do tempo oferece-nos suas relações com o espaço público em que se mesclam verdades e seu contrário, informações e falsificações, intervindo diretamente na formação da opinião pública.

Na ausência de um ministério público, a Atenas democrática antiga – a mesma que inventou a política, o teatro e a filosofia – criou o “delator público”, que dizia respeito à proteção do espaço comum partilhado, o qual reinava soberano. E, para reparar seus abusos, julgava-se também o acusador, analisando suas intenções, a classe social de que provinha e outras circunstâncias de sua vida, podendo ele também ser condenado para o bem da cidade, caso suas intenções fossem de vingança, estritamente subjetivas ou particulares.

Resta saber se o recurso à delação voluntária mediante recompensa em dinheiro não induz à corrupção – dadas as oportunidades que se oferecem para quem procura desembaraçar-se de um adversário indesejado ou então para aquele que se deixa comprar por ele – e, ainda mais, quando vai se tornando um meio para o funcionamento da Justiça.

Olgária Matos é professora titular de filosofia na Unifesp

MUNDO: ONU alerta para desaparecimento de metade das línguas do mundo


da Deutsche Welle
Segundo a Unesco, uma língua desaparece a cada duas semanas. Entre os motivos estão guerras, expulsão de povos, migração e mistura de idiomas.

Na comemoração do Dia Internacional da Língua Materna, nesta segunda-feira (21/02), as Nações Unidas fazem um alerta sobre o risco do desaparecimento de diversas línguas. Dos cerca de 6 mil idiomas falados no mundo, a metade corre o risco de sumir do mapa, diz a ONU.

De acordo o relatório divulgado na quinta-feira passada pela Unesco em Bonn, na Alemanha, uma língua desaparece a cada duas semanas. Os motivos para isso são diversos, tais como guerras, expulsão e perseguição de povos, bem como migração e mescla de línguas.
Além disso, os novos meios de informação favorecem a influência mundial de algumas línguas, particularmente do inglês. Quando uma língua desaparece, vão com ela patrimônios culturais como poemas, lendas e até mesmo ditados populares e piadas.

Segundo a ONU, 13 línguas regionais ou faladas por minorias estão ameaçadas na Alemanha. Entre elas estão o frísio do norte e o frísio oriental. Mas também o bávaro, o alemânico, o frâncico oriental, o frâncico renano, o frâncico moselano, o baixo saxão, o limburguês ripuario, o sorábio e o iídiche fazem parte da lista.

Igualmente em perigo estão o juto meridional, falado na Alemanha e na Dinamarca, além do romani, falado pelos povos sintos e rom.

FC/dpa/epd
Revisão: Alexandre Schossler

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

NIZAN GUANAES: Não é o Dinheiro, Estúpido

"Não paute sua vida pelo dinheiro: seja fascinado pelo realizar e o dinheiro virá como consequência"




SOU, COM FREQUÊNCIA, chamado a fazer palestras para turmas de formandos. Orgulha-me poder orientar jovens em seus primeiros passos profissionais.

Há uma palestra que alguns podem conhecer já pela web, mas queria compartilhar seus fundamentos com os leitores da coluna.

Sempre digo que a atitude quente é muito mais importante do que o conhecimento frio.

Acumular conhecimento é nobre e necessário, mas sem atitude, sem personalidade, você, no fundo, não será muito diferente daquele personagem de Charles Chaplin apertando parafusos numa planta industrial do século passado.

É preciso, antes de tudo, se envolver com o trabalho, amar o seu ofício com todo o coração.

Não paute sua vida nem sua carreira pelo dinheiro. Seja fascinado pelo realizar, que o dinheiro virá como consequência.

Quem pensa só em dinheiro não consegue sequer ser um grande bandido ou um grande canalha. Napoleão não conquistou a Europa por dinheiro. Michelangelo não passou 16 anos pintando a Capela Sistina por dinheiro.

E, geralmente, os que só pensam nele não o ganham. Porque são incapazes de sonhar. Tudo o que fica pronto na vida foi antes construído na alma.

A propósito, lembro-me de um diálogo extraordinário entre uma freira americana cuidando de leprosos no Pacífico e um milionário texano. O milionário, vendo-a tratar dos leprosos, diz: "Freira, eu não faria isso por dinheiro nenhum no mundo". E ela responde: "Eu também não, meu filho".

Não estou fazendo com isso nenhuma apologia à pobreza, muito pelo contrário. Digo apenas que pensar e realizar têm trazido mais fortuna do que pensar em fortuna.

Meu segundo conselho: pense no seu país. Porque, principalmente hoje, pensar em todos é a melhor maneira de pensar em si.

Era muito difícil viver numa nação onde a maioria morria de fome e a minoria morria de medo. Hoje o país oferece oportunidades a todos.

A estabilidade econômica e a democracia mostraram o óbvio: que ricos e pobres vão enriquecer juntos no Brasil. A inclusão é nosso único caminho. Meu terceiro conselho vem diretamente da Bíblia: seja quente ou seja frio, não seja morno que eu vomito. É exatamente isso que está escrito na carta de Laodiceia.

É preferível o erro à omissão; o fracasso ao tédio; o escândalo ao vazio. Porque já li livros e vi filmes sobre a tristeza, a tragédia, o fracasso. Mas ninguém narra o ócio, a acomodação, o não fazer, o remanso (ou narra e fica muito chato!).

Colabore com seu biógrafo: faça, erre, tente, falhe, lute. Mas, por favor, não jogue fora, se acomodando, a extraordinária oportunidade de ter vivido.

Tenho consciência de que cada homem foi feito para fazer história.

Que todo homem é um milagre e traz em si uma evolução. Que é mais do que sexo ou dinheiro. Você foi criado para construir pirâmides e versos, descobrir continentes e mundos, caminhando sempre com um saco de interrogações numa mão e uma caixa de possibilidades na outra. Não dê férias para os seus pés.

Não se sente e passe a ser analista da vida alheia, espectador do mundo, comentarista do cotidiano, dessas pessoas que vivem a dizer: "Eu não disse? Eu sabia!".

Toda família tem um tio batalhador e bem de vida que, durante o almoço de domingo, tem de aguentar aquele outro tio muito inteligente e fracassado contar tudo o que faria, apenas se fizesse alguma coisa.

Chega dos poetas não publicados, de empresários de mesa de bar, de pessoas que fazem coisas fantásticas toda sexta à noite, todo sábado e todo domingo, mas que na segunda-feira não sabem concretizar o que falam. Porque não sabem ansiar, não sabem perder a pose, não sabem recomeçar. Porque não sabem trabalhar.

Só o trabalho lhe leva a conhecer pessoas e mundos que os acomodados não conhecerão. E isso se chama "sucesso".

Seja sempre você mesmo, mas não seja sempre o mesmo.

Tão importante quanto inventar-se é reinventar-se. Eu era gordo, fiquei magro. Era criativo, virei empreendedor. Era baiano, virei também carioca, paulista, nova-iorquino, global.

Mas o mundo só vai querer ouvir você se você falar alguma coisa para ele. O que você tem a dizer para o mundo?

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

A RENOVAÇÃO DE CUBA

MAC MARGOLIS - O Estado de S.Paulo (13.02.2011)



 
O presidente cubano, Raúl Castro, não tem o carisma nem o fôlego do seu irmão mais velho, mas desde que assumiu o charuto do fragilizado Fidel, parece estar destinado a cravar seu nome na história. Admitiu publicamente a crise que solapa a ilha há anos e anunciou mudanças drásticas que, se levadas a cabo, reescreverão quase todos os ditames da vida política, econômica e sobretudo cultural cubana do último meio século.

Sob a bandeira ousada, e confusa, de mudar o socialismo para salvá-lo, a confraria Castro está rasgando as regras estabelecidas das últimas três gerações. Ainda é cedo para se dizer se os novos ventos trarão à ilha renovação ou desastre. Mas raramente um acontecimento num terreno de tão poucos metros quadrados cativou tantas atenções mundo afora.

As mexidas são profundas. A partir do último trimestre do ano passado, com a economia beirando o colapso, o governo de Havana anunciou o inimaginável: o enxugamento da máquina estatal. No primeiro momento são 500 mil postos de trabalho a serem deletados, 10% da mão de obra nacional. Com tempo, os terceirizados poderiam chegar a 1,3 milhão. Nutridos na estufa do poder estatal, agora, repentinamente, terão de se reinventar empresários. Sem crédito, equipamentos, assistência técnica e nenhum outro insumo ou acessório da indústria produtiva de mercado. É o capitalismo selvagem para companheiros.

Houve mais. Os cartões de alimentação, que cada cubana carrega desde 1963, quase como uma carteira de identidade, serão o recolhidos. Para aliviar as finanças públicas e aparar os subsídios, serão cortados os salários "altos" e extinguido o sistema monetário duplo que distorcia a contabilidade fiscal, unificando o peso cubano simples (PCU), usado para os salários, e o peso conversível (CUC), para comida e mercadorias.

Mas não é feito só de pão e água a nova Cuba. Com a ajuda da Venezuela, a ilha terá logo mais uma conexão a internet digna do século 21. Ainda este mês um cabo submarino de fibra ótica de mil quilômetros de extensão chegará à costa cubana. Quem sabe os estimados 1,6 milhão de internautas cubanos poderiam finalmente engrossar os adeptos internacionais do Generación Y. É que agora, o governo também resolveu liberar o acesso ao blog, da corajosa Yoani Sánchez - que estreia hoje como colunista do Estado -, que com seu laptop, conseguia driblar os arapongas para reportar o que Havana se esforçava para sufocar.

Aposta arriscada? Afinal, no Egito e na Tunísia, Facebook e Twitter viraram ferramentas importantes da mobilização popular contra os regimes. Mas assim como os chineses, Irã, Venezuela e tantos outros sócios da "Internacional Autoritária", na descrição do cientista político Vitali Silitski, os governantes cubanos optam por uma ditadura com molas. Melhor deixar os jovens a opção de desabafar, tricotar e paquerar na cibervia - onde podem ser vigiados, rastreados e suas páginas nas redes sociais violadas por hackers oficiais - do que empurrá-los para as ruas. Afinal os ditadores também navegam.

Mesmo assim, as mudanças não são triviais. As reformas anunciadas mexem com crenças e doutrinas queridas (o mercado é mal) e sacrificam garantias sagradas (o Estado é meu Pastor), que nenhum verniz retórico consegue enfeitar.

"É necessário revitalizar o principio da distribuição socialista, de pagar a cada qual segundo a quantidade e a qualidade do trabalho prestado", notificou (ó, ironia) a Central de Trabalhadores de Cuba. O ofício é uma escancarada desfiguração da máxima marxista: "De cada qual, segundo sua capacidade; a cada qual, segundo suas necessidades."

Se as diretrizes novas partissem de um país capitalista, os donos da ilha as denunciariam como um atentado neoliberal, coisa do Fundo Monetário Internacional, do Consenso de Washington e outros agentes da irmandade imperialista. Agora vêm recauchutadas como "upgrade" do sistema. "Só o socialismo pode superar as dificuldades e preservar as conquistas da revolução", repete Raúl. Ninguém dúvida que a vida cubana precisa ser revista. A dúvida é como fazê-lo sem provocar uma explosão. "O momento mais perigoso para um mau governo é normalmente aquele em que começa a remodelar-se", observou certa vez Alexis de Tocqueville, no século 19. Hosni Mubarak que o diga.

É CORRESPONDENTE DA REVISTA ''NEWSWEEK'', COLUNISTA DO ''ESTADO'' E EDITA O SITE http://www.brazilinfocus.com/

CRÔNICA: SE ACASO - Veríssimo



A História teria sido diferente sem Hitler, ou com um Hitler no poder mas tratado por Freud?

Adolph Hitler quase foi se tratar com Sigmund Freud. Seus pais teriam sido aconselhados a levá-lo para uma consulta com o doutor, presumivelmente para curá-lo daquela compulsão de dominar o bairro. Não houve a consulta, Hitler cresceu sem tratamento e, quando a crítica sugeriu que ele trocasse a pintura pela sua segunda vocação, fosse ela qual fosse, lembrou-se da megalomania da infância e o resto é História.

A História teria sido diferente sem Hitler, ou com um Hitler no poder mas tratado por Freud? A ideia do nazismo como uma anomalia patológica, como coisa de loucos, é uma ficção conveniente que absolve boa parte do pensamento cristão europeu de direita da sua cumplicidade.

Mas a ideia de um determinismo neutro, independente de qualquer escolha moral, também é assustadora. Precisamos de vilões mais do que de heróis, de culpados muito mais do que de inocentes. Nem que seja só para preservar o autorrespeito da espécie.

Karl Kraus escreveu que a Viena do começo do século era o campo de provas da destruição do mundo. A derrocada do império austro-húngaro foi o fim de um certo mundo, mas Kraus quis dizer mais do que isso. Para ele, as revoluções do pensamento postas em movimento na Viena da sua época trariam o fim do longo dia do humanismo europeu que durara desde a Renascença, e o século restauraria a idade das trevas.

O encontro que não houve entre o intelectual judeu que radicalizou o estudo da consciência e o homem que quis eliminar as duas coisas, o judeu e a consciência, da História simboliza esse prenúncio, ou essa intuição de Kraus. O século 20 foi o do desencontro entre duas formas de modernidade, a que liberava o pensamento pela investigação científica e a que o aprisionava pelo mito do estado científico.

A questão é até onde coisas vagas, como o clima intelectual de uma cidade, ou clínicas, como a maluquice de alguém, influenciam a História, ou até que ponto uma boa terapia pediátrica teria evitado o Holocausto.

O materialismo histórico rejeita a ideia de sujeitos regendo a História, e marxistas ortodoxos reagem a qualquer sugestão de que as ideias justas venham de um discernimento moral inato. E como os liberais nos dizem que o mercado não é ético nem aético, é apenas inevitável, a História como um relato de mocinhos providenciais em guerra com bandidos doentes sobra para a literatura, ou essa categoria de ficção sentimental que é a história convencional.

Precisamos pensar não só que são iniciativas humanas que movem a História, e que seus objetivos, mesmo que tarde, sejam morais e justos, mas que elas tenham cara e biografia.
A História feita por indivíduos tem o atrativo adicional da conjetura, de infindáveis variações sobre o “se”. O que teria acontecido se Napoleão tivesse se contentado em ser instrutor de tiro ou se os pais de Stalin nunca tivessem se encontrado?
E podemos sonhar à vontade sobre o efeito na nossa vida pública se certas mães brasileiras pudessem ter optado, patrioticamente, por não ter os filhos que tiveram.

MUNDO: OBAMA, O BRASIL E O CONSELHO DE SEGURANÇA DA ONU

Roberto Abdenur
Diplomata, foi embaixador do Brasil nos Estados Unidos
(Estadão 13.02.2011 - Espaço Aberto - Caderno A2)


É usual, no contexto da preparação de visitas internacionais, a troca pela imprensa de "recados" entre uma parte e outra. Serve isso para ventilar desde logo certas tendências ou mesmo posicionamentos já cristalizados quanto à agenda das conversações a se darem durante a viagem. Merece atenção, a esse respeito, matéria saída na edição deste jornal do último dia 8 de fevereiro. Nela a correspondente em Washington afirma que o presidente Barack Obama não quer o Brasil no Conselho de Segurança da ONU (CSNU). Segundo fonte do Departamento de Estado, o Brasil teria cometido um "pecado mortal", uma "burrada", ao se opor às sanções aprovadas pelo conselho contra o Irã. Diante disso, quando da visita ao País, em março, Obama só por "milagre" virá a apoiar o pleito brasileiro por assento permanente no CSNU.

O tema merece detida avaliação, pois não deixa de ter algum impacto sobre o relacionamento bilateral, ainda que não constitua condição sine qua non para avanços que são, por sinal, de profundo interesse para ambas as partes. E porque, para além disso, envolve decisões que dizem respeito a como conseguirá a comunidade internacional melhor se organizar para enfrentar os ingentes desafios que se lhe apresentam em numerosas questões de ordem econômica, ambiental, energética, política e de segurança. Um importante antecedente vem desde logo à baila: abandonando a postura de silêncio sobre a questão da ampliação do CSNU, em sua recente viagem a Nova Délhi o presidente Obama desdobrou-se em loas à Índia, cuja candidatura ao conselho endossou plenamente. E o fez ao formalizar-se inédito acordo de cooperação nuclear entre os Estados Unidos e o país que se tornou potência nuclearmente armada ao arrepio do Tratado de Não Proliferação. Foi a Índia, na ocasião, consagrada como parceira estratégica dos Estados Unidos. Subjacente a esses ousados passos esteve o interesse dos Estados Unidos em respaldar aquele país como contrapeso ao crescente poderio econômico, político e militar da China. Assim é a Realpolitik, há que compreender (como, de resto, fez agora, de sua parte, o governo brasileiro, outrora profundamente crítico da bomba indiana).

O que vem ao caso, com vista à presença de Obama em Brasília, é o fato de que o presidente norte-americano passou a admitir o princípio da ampliação do CSNU - e aí se faz indispensável que Washington proceda a uma cuidadosa, serena e objetiva análise do "caso brasileiro". Para começo de conversa, não faz sentido que, sobre assunto de tão amplas implicações internacionais, se deixe o governo dos Estados Unidos levar pelo inconformismo com o voto brasileiro no caso iraniano. Salta aos olhos que a atitude do governo Lula constituiu fragorosa anomalia, no sentido de que não estava em jogo, no caso, nenhum interesse nacional. Aquela desventurada aventura constituiu grave - mas momentâneo, passageiro - desvio das diretrizes históricas da diplomacia brasileira. Trata-se de episódio isolado e superado, que de modo algum representou alteração de rumos na trajetória do País no plano internacional. O que, sim, vem mudando, e muito rapidamente, na trajetória do País é sua ascensão à condição de ator relevante, em não poucos casos até decisivo, ao largo do amplo espectro de problemas internacionais (e globais) cujo encaminhamento está a exigir pronta reconfiguração dos sistemas decisórios nas Nações Unidas e em outros foros.

É preciso que os Estados Unidos reconheçam, na devida medida, a virtual singularidade do que chamo de "caso brasileiro". Diferentemente da Índia - e da China, e da Rússia, e dos próprios Estados Unidos -, é o Brasil o único país de dimensões continentais, vultosa população e grande e dinâmica economia a situar-se fora (e até longe) dos contextos de tensão geopolítica que marcam outras regiões do mundo. Será que os Estados Unidos estariam agora adotando como critério para seu apoio a uma entrada no CSNU a posse da bomba? Se assim for, o Brasil decididamente não terá jamais títulos para um assento permanente no conselho (nem o terão outros candidatos fortes, como a Alemanha e o Japão). O que singulariza o Brasil é, ao contrário, o fato de viver em região privilegiadamente pacífica, livre de armas de destruição em massa e onde praticamente inexistem riscos de conflitos. Esse privilégio foi em não pequena medida o fruto de mais de um século de hábil e lúcida diplomacia, de resto correspondida por nossos vizinhos.

Mas a diplomacia brasileira nunca esteve confinada ao Hemisfério ou à América Latina. Mesmo antes de lograr a estabilidade democrática e o vigor econômico que agora usufrui, teve desde sempre o Brasil voz ativa e considerável influência nos debates sobre questões de comércio, economia e finanças, desarmamento, não proliferação e variadas outras questões envolvendo a paz e a segurança internacionais. Muito concretamente, tem atuado como bridge builder entre diferentes regiões e fator de conciliação e entendimento em múltiplos foros de toda ordem. Obama, ainda que seguramente popular em nosso país, não é santo nem precisa fazer "milagres" na visita a Brasília. Basta-lhe refletir mais detidamente sobre o que significa - e cada vez mais significará como ator decisivo no plano internacional - o Brasil como economia, nação e Estado. Tal reflexão deveria incluir, no plano propriamente bilateral, a constatação de que houve em anos recentes uma mudança na natureza mesma do relacionamento Brasil-Estados Unidos. Uma nova dinâmica, de crescente mutualidade, vai criando fortes vínculos de entrelaçamento e interdependência: do que decorre substancial ampliação da área de convergência e entendimento, por sobre diferenças pontuais de pontos de vista. A conclusão lógica de uma tal reflexão será o reconhecimento de que o endosso à candidatura brasileira ao conselho só faz consultar os melhores interesses da comunidade internacional - aí incluídos, claro está, também os dos Estados Unidos.

WEB: O ÚLTIMO ANO DO TWITTER? - O Passarinho Azul Subiu no Telhado

Alexandre Matias (Estadão 13.02.2011 - Caderno 2)

Tweets, trending topics, retweets, seguidores, hashtags, unfollow, #FF, @username... Toda essa terminologia já era conhecida de um punhado de usuários do Twitter antes da explosão da rede social, em 2009. Em 2010, o mundo inteiro abraçou o site - até mesmo o Brasil, tradicionalmente acostumado a uma vida digital paralela à do planeta, entrou na rede em grande estilo, emplacando vários termos e hits nacionais para o resto do mundo. Mas se em 2010, o Twitter indicava ter embalado num crescimento que parecia não ter volta, 2011, no entanto, dá sinais que pode ser o último ano da rede social do passarinho azul. Ou pelo menos como a conhecemos.

O Twitter já vinha dando sinais de desgaste no fim do ano passado, quando o tráfego de dados na rede caiu drasticamente em outubro, segundo o site Alexa. Especula-se que a queda só não foi maior pois a rede social foi traduzida para novos idiomas e começou a agregar usuários em países em que ainda não estava presente. A queda de audiência poderia estar ligada à nova interface do site, que estreou no segundo semestre do ano passado e desagradou muitos de seus cadastrados.

A crise política no Egito também ajudou o Twitter a ganhar uma sobrevida e pareceu repetir o feito de 2009, quando o site foi crucial nas eleições presidenciais do Irã. Como disse o comediante norte-americano John Stewart à época: "Não foi o Twitter que salvou o Irã. Foi o Irã quem salvou o Twitter". Não é exagero dizer o mesmo do Egito em relação ao site. Só que o momento é exatamente oposto: em 2009, a rede social ainda não tinha vivido seu grande momento popular.

O principal aviso de que, provavelmente, o passarinho do Twitter pode estar com seus dias contados veio na quinta-feira da semana passada, quando o jornal Wall Street Journal publicou que os executivos da rede social estariam conversando tanto com o Google quanto com o Facebook para tentar vender o site - e teriam ouvido ofertas que pagariam entre US$ 8 e 10 bilhões pelo serviço.

Uma vez comprado - seja por quem for -, uma coisa é certa: o Twitter vai mudar. E, pelo histórico dos dois possíveis compradores, pode até acabar. Mas isso ainda é terreno de especulação.

Mas um número citado pelo jornal chama atenção - o de que a rede, hoje com mais de 150 milhões de usuários, teria sido avaliada em US$ 4,5 bilhões em dezembro. Em menos de dois meses seu preço dobrou? E se lembrarmos que, nesta mesma semana, o blog Huffington Post foi vendido à America Online por mais de US$ 300 milhões, não duvide que estamos às vésperas de uma nova bolha digital, como a de 1999.

sábado, 12 de fevereiro de 2011

REFLEXÃO: Por que cremos?

da profª Luciene Felix Lamy (http://www.lucienefelix.blogspot.com/)

“Oh! Virtude, ciência sublime das almas simples, serão necessários então, tanta pena e tanto aparato para conhecer-te? Teus princípios não estão gravados em todos os corações?" Jean-Jacques Rousseau.

Nessa época do ano realça-se o sentimento de religiosidade. Muitas pessoas, até involuntariamente, experimentam solene introspecção. A ocasião parece apropriada para refletirmos sobre o surgimento da religiosidade humana e seu desaguar no vasto campo das religiões.

Surpreende o fato de somente agora a religiosidade estar sendo apontada como um dos fatores que contribuíram para a evolução do homem na terra. Segundo o jornalista do The New York Times, Nicholas Wade: “A religião carrega as marcas de um comportamento evoluído, o que significa que existe porque foi favorecida pela seleção natural. É universal porque está impressa em nossos circuitos neurológicos desde antes de os primeiros humanos se dispersarem a partir da África”.

Se, como diz Nicholas, “(...) a religião evoluiu porque conferia benefícios essenciais às primeiras sociedades humanas e seus sucessores”, estamos diante de fato irrefutável, mas não paradoxal. Numa palestra intitulada “Origens da Religião e Pólis Grega” (disponível em vídeo no site da Escola Superior de Direito Constitucional: www.esdc.com.br), que proferi em 2007, explico como e porque o próprio Estado já nasce no seio da religiosidade humana.

O artigo do Times, começa afirmando que dois arqueólogos “fizeram uma descoberta notável sobre a origem da religião ao longo de 15 anos de escavações (...)”. Ora, os primeiros ensaios de uma comunidade gregária se deram em torno dos alimentos. As primevas organizações políticas, as mais primitivas comunidades surgem tendo como esteio essa voraz necessidade dos indivíduos de, juntos, enaltecerem a magia que os circundava e, desse modo, em sincronia se estreitarem à natureza que os provia.

Embora o “Pai” da psicanálise, Sigmund Freud (1856-1939) com propriedade, tenha apontado a religião como sendo uma espécie de delírio coletivo, a religiosidade “em si”, que floresceu em nossos antepassados não fora um mero e infundado “delírio coletivo”: a crença, em sua origem, foi fomentada por instinto de sobrevivência.

A abundante, diversificada e bem orquestrada “mãe-natureza” serviu de base a nosso primevo e rústico tecido social. O nascente e o poente, os ciclos de lunação, as estações do ano, o cortejo dos planetas por entre as constelações fixas, cachoeiras, rios, lagos e mares; trigo, milho, oliveira, cevada e todas as aves e os animais, além de reais, eram tudo o que tinham para inteligir a potência (dýnamis) da vida.

O homem primitivo, de racionalidade ainda rudimentar, encontra uma forma mítica para compreender e explicar aos demais a realidade que os circunda. O pequeno grupo ao qual pertence, se convence da lógica embutida nessas explicações.

Surge então um elo comunitário de compreensão dos fenômenos mais prosaicos, irrompidos periodicamente em seus habitats. Rituais que celebram a magia de inícios e fins (ciclos de vida e morte) são estabelecidos consensualmente.

É sabido que o comportamento religioso (qualquer que seja a forma de religação adotada) é identificado em todas as sociedades humanas, independente de qual seja o estágio de desenvolvimento em que se encontre. Digno de nota é o fato de que nesse estágio da religiosidade, o sujeito encontra, no meio no qual se insere, correspondência análoga às suas expectativas individuais.

A adesão aos ritos é espontânea e essa sacra consonância, essa fusão de valores criará um elo de fidelidade entre os membros, tornando o grupo forte e coeso. Unidos, amparando-nos mutuamente, sempre fomos mais fortes e detemos maiores oportunidades.

A religiosidade humana se impôs, inicialmente, por questão utilitária, sobretudo depois que o homem deixou de ser nômade, buscou abrigo fixo e, dependendo da agricultura (entenda-se estações do ano) sabiamente passou a ir ao encontro do tempo cíclico, em simbiose com a natureza.

Embora até hoje não tenhamos deixado de beneficiarmo-nos da caça (presente, ao menos duas vezes por dia, na mesa dos abastados), foi devido ao reconhecimento às misteriosas dádivas de Deméter (deusa grega da agricultura - Ceres em romano, daí a palavra cereal) que nossos ancestrais se aproximaram comungando e rejubilando-se num sentimento de pertença (confira breve relato desse mito celebrado nos “mistérios de Elêusis”, cerca de 800a.C. em "primavera", nesse Blog).

Mas não se intenta subjugar o acaso e seus inescrutáveis caprichos apenas manifestando gratidão . É fundamental evitar os “castigos” interpretados como zangas divinas. Deimos e Phobos (1) sempre foram meios de persuasão muitíssimo convincentes.

Por receio de que mazelas sucedam a todo o clã, expulsa-se transgressores das leis, os profanadores dos costumes sagrados; rituais de expiação zelam pela manutenção da ordem, da paz e das boas graças de uma “autoridade invisível”.

Arregimenta-se credulidade também sob coação, pelo sentir dilacerado da dor. Podia acometer-nos a morte, oriunda das guerras, da fome, de doenças, furacões, vulcões, raios, enchentes, maremotos, enfim, temíamos que pairasse sobre nossa família e/ou comunidade grandes males e infortúnios.

Nesse estágio da religiosidade humana, legitimar a autoridade do grupo levando-nos a colocar o bem-estar do clã acima de nossos interesses pessoais é atitude altruísta que mais nos humaniza; é o que nos tornou e nos tornará sempre mais “humanos”.

Alguns estudiosos tem levantado a hipótese de que, se com a teoria da evolução de Charles Darwin (1809-1882) compreendemos que sofremos alterações com o constante aprimoramento de nossas aptidões físicas, não é improvável que o mesmo tenha ocorrido em nossa psyché.

Nesse sentido, Nicholas Wade afirma: “O que a evolução fez foi dotar as pessoas de uma predisposição genética a aprender a religião da sua comunidade, assim como há uma predisposição para a linguagem. Tanto na religião quanto na linguagem, é a cultura, e não a genética, que fornece o conteúdo do que é aprendido”.

O fato da religiosidade poder ser observada sob uma perspectiva psiquicamente evolucional, como algo que tenha fomentado, alicerçado e impulsionando o desenvolvimento das sociedades humanas não desempata o duelo entre crentes e ateus pois, como aponta o próprio autor: “O favorecimento da religião pela seleção natural não comprova nem refuta a existência dos deuses”.

Nicholas chama a atenção para o fato já sabido de que em “sociedades hierárquicas maiores, os governantes cooptaram a religião como fonte de autoridade”, o que resvalará em atrocidades ou, no mínimo nos tais “delírios coletivos” apontados por Freud, algo que nem crentes nem ateus suportam mais testemunhar.

Se lastimavelmente, algumas religiões e seus ferrenhos seguidores acalentam preconceitos, promovem guerras e perseguições é porque se esqueçam de que seu longinquo e nobilíssimo berço é ser primeva fonte de amparo à fragilidade humana. Deturpam a religiosidade que surgiu, em nossos antepassados unindo os homens na imprescindível promoção do bem estar da coletividade, que “subjaz a” e “abarca a” função social.

A religiosidade primeva não escandaliza a razão. É de uma inteligibilidade intuitiva, dispensando provas ou argumentos, é puro instinto de sobrevivência “impressa em nossos circuitos neurológicos” como denominam os cientistas.

Vislumbraram a Alma (psyché), outrora tão magnânima em seu propósito de nos religar com a ordem (cosmos) presente na natureza (physis) da qual também fazemos parte. Espantados constatam: fomos feitos para crer.

1- Deimos e Phobos: terror e medo, filhos do deus grego da guerra, Ares, que na mitologia romana será denominado Marte. Esse é também o nome dos satélites naturais desse planeta.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

TELEVISÃO: Big Brother Brasil 11

recebido por e-mail e me disseram que é do Luiz Fernando Veríssimo. Eu, particularmente acho que não é, mas vale a pena ler o que está escrito.

Que me perdoem os ávidos telespectadores do Big Brother Brasil (BBB), produzido e organizado pela nossa distinta Rede Globo, mas conseguimos chegar ao fundo do poço...A décima primeira (está indo longe!) edição do BBB é uma síntese do que há de pior na TV brasileira. Chega a ser difícil,... encontrar as palavras adequadas para qualificar tamanho atentado à nossa modesta inteligência.

Dizem que em Roma, um dos maiores impérios que o mundo conheceu, teve seu fim marcado pela depravação dos valores morais do seu povo, principalmente pela banalização do sexo. O BBB é a pura e suprema banalização do sexo. Impossível assistir, ver este programa ao lado dos filhos. Gays, lésbicas, heteros... todos, na mesma casa, a casa dos “heróis”, como são chamados por Pedro Bial. Não tenho nada contra gays, acho que cada um faz da vida o que quer, mas sou contra safadeza ao vivo na TV, seja entre homossexuais ou heterosexuais. O BBB é a realidade em busca do IBOPE...

Veja como Pedro Bial tratou os participantes do BBB. Ele prometeu um “zoológico humano divertido” . Não sei se será divertido, mas parece bem variado na sua mistura de clichês e figuras típicas.

Pergunto-me, por exemplo, como um jornalista, documentarista e escritor como Pedro Bial que, faça-se justiça, cobriu a Queda do Muro de Berlim, se submete a ser apresentador de um programa desse nível.

Em um e-mail que recebi há pouco tempo, Bial escreve maravilhosamente bem sobre a perda do humorista Bussunda referindo-se à pena de se morrer tão cedo.

Eu gostaria de perguntar, se ele não pensa que esse programa é a morte da cultura, de valores e princípios, da moral, da ética e da dignidade.

Outro dia, durante o intervalo de uma programação da Globo, um outro repórter acéfalo do BBB disse que, para ganhar o prêmio de um milhão e meio de reais, um Big Brother tem um caminho árduo pela frente, chamando-os de heróis. Caminho árduo? Heróis? São esses nossos exemplos de heróis?

Caminho árduo para mim é aquele percorrido por milhões de brasileiros: profissionais da saúde, professores da rede pública (aliás, todos os professores), carteiros, lixeiros e tantos outros trabalhadores incansáveis que, diariamente, passam horas exercendo suas funções com dedicação, competência e amor, quase sempre mal remunerados..

Heróis, são milhares de brasileiros que sequer têm um prato de comida por dia e um colchão decente para dormir e conseguem sobreviver a isso, todo santo dia.

Heróis, são crianças e adultos que lutam contra doenças complicadíssimas porque não tiveram chance de ter uma vida mais saudável e digna.

Heróis, são aqueles que, apesar de ganharem um salário mínimo, pagam suas contas, restando apenas dezesseis reais para alimentação, como mostrado em outra reportagem apresentada, meses atrás pela própria Rede Globo.

O Big Brother Brasil não é um programa cultural, nem educativo, não acrescenta informações e conhecimentos intelectuais aos telespectadores, nem aos participantes, e não há qualquer outro estímulo como, por exemplo, o incentivo ao esporte, à música, à criatividade ou ao ensino de conceitos como valor, ética, trabalho e moral.

E ai vem algum psicólogo de vanguarda e me diz que o BBB ajuda a "entender o comportamento humano". Ah, tenha dó!!!

Veja o que está por de tras do BBB: José Neumane da Rádio Jovem Pan, fez um cálculo de que se vinte e nove milhões de pessoas ligarem a cada paredão, com o custo da ligação a trinta centavos, a Rede Globo e a Telefônica arrecadam oito milhões e setecentos mil reais. Eu vou repetir: oito milhões e setecentos mil reais a cada paredão.

Já imaginaram quanto poderia ser feito com essa quantia se fosse dedicada a programas de inclusão social: moradia, alimentação, ensino e saúde de muitos brasileiros?

(Poderiam ser feitas mais de 520 casas populares; ou comprar mais de 5.000 computadores!)

Essas palavras não são de revolta ou protesto, mas de vergonha e indignação, por ver tamanha aberração ter milhões de telespectadores.

Em vez de assistir ao BBB, que tal ler um livro, um poema de Mário Quintana ou de Neruda ou qualquer outra coisa..., ler a Bíblia, orar, meditar, passear com os filhos, ir ao cinema..., estudar... , ouvir boa música..., cuidar das flores e jardins... , telefonar para um amigo... , visitar os avós... , pescar..., brincar com as crianças..., namorar... ou simplesmente dormir.

Assistir ao BBB é ajudar a destruir o que ainda resta dos valores sobre os quais foi construída nossa sociedade.

Um abismo chama outro abismo!!!

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

FILOSOFIA: Apolo, Quíron, Asclépio e Hipócrates - O Mito Grego da Medicina

pela profª Luciene Felix, do blog http://www.lucienefelix.blogspot.com/

“A vida é curta, a arte é longa, a oportunidade é fugaz, a experiência enganosa, o julgamento difícil” – Hipócrates (Pai da Medicina)



 
No cerne de toda pedagogia grega observamos a atenção aos limites, contrapondo o que há de mais caro ao homem: a liberdade. Na Paidéia do mito da Medicina, também de valor inalienável, é a própria vida que está em questão.

Dentre os temas recorrentes, a deformação, a banalização e a superação de distúrbios tanto da alma (psyché) quanto do corpo (soma). Na linhagem das arcaicas figuras simbólicas da cura destacam-se Apolo, Quíron e Asclépio (Esculápio, na romana).

Nesta tríade divina, solar e supremo é Apolo, que presidindo a harmonia da alma, personifica o equilíbrio e simboliza o princípio da saúde. O sábio e generoso Centauro Quíron é seu fiel sacerdote. E o filho, Asclépio tem como mais famoso descendente o grego Hipócrates (460-377 a.C.), renomado expoente de uma família que praticara a Medicina por muitas gerações, considerado “O Pai da Medicina”.

Narra Homero, que Asclépio realmente existiu (em cerca de 1.200 a.C.) e que, abençoado pela luz de Apolo, fora um semideus. Atentos aos domínios orgânicos e psíquicos (psicossomáticos), enquanto o pai presidia a sanidade da alma, o filho se empenhava em presidir a saúde do corpo.

O predomínio da atenção sobre um em detrimento do outro é desarmonioso e é desse interdito que trata o mito. Há inúmeras versões dessa alegoria, inspiraremo-nos em Píndaro (518-441 a.C), Apolodoro (180-120 a.C.) e Ovídio (43-18 a.C.), entre outros.

Reza um antiqüíssimo relato que na Tessália ninguém superava a jovem Corônis em graciosidade e formosura. Impressionado pela rara beleza da mortal, o deus da harmonia, Apolo, filho legítimo do soberano do Olimpo, Zeus, se apaixona perdidamente pela moça.

Mas a donzela, entre envaidecida por ter despertado a paixão de um imortal e o temor de se ver abandonada na velhice, mesmo grávida de Apolo, decide se casar com um jovem chamado Ischys.

Poderia uma mera mortal ousar recusar a dádiva do amor de um deus? O mensageiro da funesta notícia é um corvo. Outrora todos brancos, em punição pela má notícia, Apolo os torna negros como o ébano.

Inconformado pelo desprezo e traição, Apolo assassina o rival e pede a sua irmã, Ártemis, que fulmine a infiel. Desconcertado, ao ver o corpo da amada em chamas sobre a pira, Apolo se apressa a arrancar-lhe do ventre seu filho Asclépio.

O deus da saúde, da música e da harmonia, confia a educação da criança a Quíron, que por ser filho do titã Chronos também era imortal. Este brilhante Centauro fora gerado enquanto seu pai metamorfoseara-se num cavalo, daí sua aparência híbrida.

Extremamente inteligente, culto e bondoso, Quíron, por sua vez, foi adotado por Apolo, que o ensinou a arte do divinatio (adivinhação), música, ética, ciência e thaerapéia (do grego, servir ao divino), dentre muitas outras technai (técnicas). O Centauro foi professor e tutor de heróis famosos tais como: Aristeu, Ajax, Enéas, Teseu, Aquiles, Jasão, Peleu, Héracles e, claro, do menino Asclépio.

Por ser portador de uma ferida incurável, Quíron entendia a dor e o sofrimento dos enfermos e ensinava ao dedicado rapaz a alquimia das ervas extraindo poderosas drogas, infusões, ungüentos, banhos medicinais, dietas, sangrias, cirurgias, além dos benefícios da exposição ao sol, de caminhadas com os pés descalços, abstinência sexual, higiene, dos exercícios físicos e etc.



Espantosamente habilidoso, Asclépio recebeu da tia Palas Athena (leia neste Blog o mito da deusa grega da Sabedoria e Justiça), um poderoso pharmakón: o sangue da rainha das Górgonas, que tanto curava quanto matava: “Querido afilhado, trouxe-lhe dois frascos contendo o sangue da Medusa. Um deles contém o sangue extraído da veia esquerda. Se der esse líquido a uma pessoa recém-falecida, você a trará de volta à vida. O outro frasco contém o sangue da veia direita. Se der esse sangue a alguém, você a matará instantaneamente, pois se trata de um líquido fatal. Tome muito cuidado ao utilizá-lo”.

Por ter como pai Apolo e preceptor Quíron, Asclépio reuniu as duas tendências da arte médica, curando tanto corpos quanto almas.

Quando surpreendidos com a notícia de uma enfermidade (própria, num familiar ou amigo) é reconfortante saber que se está sob os cuidados dos mais renomados especialistas. Conformados, suspiramos: “Agora está tudo nas mãos de Deus”. Fora com essa areté (excelência) que Asclépio desempenhara suas funções: ferrenho seguidor dos ensinamentos de Quíron e subalterno a seu pai Apolo, que roga que o doente seja tratado como um todo.

O estudioso Paul Diel relata que na antiga Grécia, recomendava-se que o enfermo pernoitasse no templo se Apolo para que, exposto à influência do sagrado, se concentrasse em seu sofrimento. No dia seguinte, os sacerdotes procuravam interpretar os sonhos para vislumbrar uma terapêutica adequada. Este procedimento era repetido tantas vezes quanto julgassem necessário.

Numa anamnése (do grego, trazer mnemósyne, a memória à tona), como ocorre até os dias atuais, procurava-se saber de todo histórico pessoal e dos antepassados, doenças físicas e angústias psíquicas.

Muitas vezes o paciente estava acometido por uma enfermidade hereditária, ao qual era frágil ou mesmo a uma doença oriunda de uma desarmonia psíquica que não era necessariamente sua, mas que por hamartía (marca de nascença, confira neste Blog “O mito de Tântalo”) o afetava.



Orgulho de Apolo e de Quíron pela competência em representar a ciência, Asclépio sentia muito prazer em curar e não tardou a obter fama e glória. Até que um dia, arrebatado pela vaidade (há controvérsias entre os aedos/poetas se foi por vanitas ou pura e simples expertise), com formidável empenho, ressuscita defuntos e, consegue abolir a morte, alcançando sucesso extraordinário.

Asclépio torna-se senhor da vida e da morte, que é essencial na condição humana, vencendo a finitude da qual, antes dele, ninguém podia escapar. Hades, soberano do reino dos mortos, constatando o despovoamento de seu império, sente-se ultrajado em seu kratós (poder) e queixa-se a Zeus, protestando e exigindo que atentasse à ousada insolência.

O ordenador do Cosmos, temendo que a maestria de Asclépio revertesse à ordem do mundo, não titubeia em fulminá-lo imediatamente com seu raio.
Desolado, mas não podendo se vingar do soberano do Olimpo, seu próprio pai, Apolo extravasa sua dor matando os Ciclopes, gigantes de um olho só, que fabricaram os raios que puseram fim à vida de seu dileto filho. Abrandada sua dor, suplica a Zeus que o coloque entre as estrelas (constelação do Serpentário, Ophiucus: “aquele que leva a serpente”), imortalizando-o.
Viver para o corpo e morrer para a alma é contrário ao sentido da vida. Asclépio se esquece que o princípio vital de sua missão não é a de somente conservar o corpo, mas fortificar a alma.

Hipócrates, fidedigno a este interdito, ao iniciar seu solene juramento ético invocando-os, tributa-lhes honras e glórias: “Eu juro, por Apolo, médico, por Asclépio (...)” (Confira na íntegra abaixo).

Competentes, mas falíveis, médicos vivenciam a apolínea necessidade de harmonia na morada da alma traduzida na máxima do poeta satírico romano Giovenale: “Orandum est ut sit mens sana in corpore sano” (Reze para que a mente seja sã dentro de um corpo são).

Na “santa e salubre” cidade de Epidauro onde nasceu Asclépio, havia um templo, um bosque sagrado e uma fonte miraculosa. Neste Asklepéion se desenvolveu a primeira Escola de Medicina. Também possuía Templos próprios em Corinto, Pérgamo e Cós.

Em muitas pinturas e esculturas, o deus da Medicina é representado com sua coroa de louros, firmando, numa das mãos, a patera (cálice de sua filha Higéia) e noutra, a serpente (símbolo de sabedoria, imortalidade, cura e renascimento pela troca de pele) envolta num bastão da mais nobre madeira, o cetro (veja abaixo emblemas na bandeira da OMS – Organização Mundial da Saúde e do CREMESP).

Em virtude da faculdade investigativa, seu animal é o cão (“Cadela acerta 95% dos casos ao farejar pessoas com tumor no intestino; Universidade do Japão tenta desvendar habilidade”. Folha de S. Paulo, coincidentemente na data desta publicação, 1º de fevereiro de 2011). Alguns autores também citam a tartaruga, pela vagarosidade de alguns tratamentos.

E sua oferenda é o vigilante galo: “Pague um galo a Asclépio”, segundo Platão, são as últimas palavras proferidas por Sócrates, para quem morte era vida, antes do último suspiro.

Diz-se que se casou com Epione (deusa da anestesia) e dentre os filhos gerados citamos: Machaon (Macaon/Macaão - cirurgião), Podaleirus (Podalírio - diagnóstico clínico), Panacea (Panacéia - ervas medicinais), Iaso (deusa da cura), Aglea (boa forma) e Higia (Higéia - deusa do asseio, da higiene). Relata-se que seus dois filhos, os irmãos, Machaon e Podaleirus atuaram bravamente na mais famosa guerra da antiguidade, curando muitos soldados troianos.

Em Atenas, desde o séc. V a.C., nos dias 17 e 18 de outubro celebrava-se a grande festa de Asclépio e até hoje, em 18 de outubro comemora-se o “Dia do Médico”. Era a segunda data mais festejada, perdendo apenas para Dioniso (Bacco).

Popular, o semideus que ressuscita mortos (como Jesus, O Cristo) foi a divindade pagã mais adorada entre os romanos: as moedas cunhadas com seu caráter impresso eram de grande valor.

Merecedor do título de Salvador dos Humanos, Asclépio é divinizado: “Recebe o que os gregos chamam de ‘apoteose’” (apo = em direção a + théos = divino).

Semideus, Asclépio “não está no Olimpo nem habita o Hades, mas caminha entre os homens, ensinando a medicina”, inspirando magnânimos, obstinados e virtuosos Asclepíades como os imaculadamente notáveis e inesquecíveis Zerbini (Machaon) e Décourt (Podaleirus) aos quais tantos devem a vida, os ensinamentos e eu, a irremovível pedra angular na formação ética (éthos = conduta, hábito, habitat) de meu caráter.
Referências Bibliográficas

Commelin, P. – Mitologia Grega e Romana – Ed. Martins Fontes. São Paulo, SP, 1997.
Diel, Paul – O simbolismo na Mitologia Grega – Attar Editorial. São Paulo, SP, 1991.
Ferry, Luc – A Sabedoria dos Mitos Gregos – Aprender a Viver II. – Ed. Objetiva Rio de Janeiro, RJ. 2008.
Graves, R. – Les mythes grecs. Paris: Fayard, 1958.
Hamilton, Edith – Mitologia – Ed. Martins Fontes. São Paulo, SP, 1997.
Meunier, Mário – Nova Mitologia Clássica – Ed. Ibrasa – São Paulo, SP, 1997.
Prieto, Heloisa – Divinas Desventuras – Ed. Cia. das Letrinhas – São Paulo, SP, 2009.
Souza Brandão, Junito de – Mitologia Grega – Editora Vozes. Petrópolis, RJ, 2001.
Tuoto, E.A.– Asclépio, o Deus da medicina In: História da Medicina by Dr. Elvio A. Tuoto (Internet). Brasil, 2010.

JURAMENTO DE HIPÓCRATES

"Eu juro, por Apolo médico, por Asclépio, Hígia e Panacea, e tomo por testemunhas todos os deuses e todas as deusas, cumprir, segundo meu poder e minha razão, a promessa que se segue:

Estimar, tanto quanto a meus pais, aquele que me ensinou esta arte; fazer vida comum e, se necessário for, com ele partilhar meus bens; ter seus filhos por meus próprios irmãos; ensinar-lhes esta arte, se eles tiverem necessidade de aprendê-la, sem remuneração e nem compromisso escrito; fazer participar dos preceitos, das lições e de todo o resto do ensino, meus filhos, os de meu mestre e os discípulos inscritos segundo os regulamentos da profissão, porém, só a estes.

Aplicarei os regimes para o bem do doente segundo o meu poder e entendimento, nunca para causar dano ou mal a alguém.

A ninguém darei por comprazer, nem remédio mortal nem um conselho que induza a perda. Do mesmo modo não darei a nenhuma mulher uma substância abortiva.

Conservarei imaculada minha vida e minha arte.

Não praticarei a talha, mesmo sobre um calculoso confirmado; deixarei essa operação aos práticos que disso cuidam.

Em toda casa, aí entrarei para o bem dos doentes, mantendo-me longe de todo o dano voluntário e de toda a sedução, sobretudo dos prazeres do amor, com as mulheres ou com os homens livres ou escravizados.

Àquilo que no exercício ou fora do exercício da profissão e no convívio da sociedade, eu tiver visto ou ouvido, que não seja preciso divulgar, eu conservarei inteiramente secreto.

Se eu cumprir este juramento com fidelidade, que me seja dado gozar felizmente da vida e da minha profissão, honrado para sempre entre os homens; se eu dele me afastar ou infringir, o contrário aconteça."