quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

ENTENDA COMO QUISER: Parábola da Abelha

por Luis Fernando Verissimo

Parábola.

Numa cidade à beira-mar, num castelo de altas torres, vivia uma princesa chamada Luciclara que gostava muito de mel.

Luciclara comia mel todos os dias. Potes e potes de mel. Desde criancinha.

E Luciclara era linda. Tinha cabelos dourados, olhos azuis, faces rosadas, lábios petalosos e um corpo de anjo. E, acima de tudo, Luciclara era doce. Tudo nela era melífluo. Sua voz, seus gestos, seu modo de andar... Desde que não lhe faltasse mel.

Luciclara não podia passar um dia sem seu mel, e cada vez mais mel. Se por acaso os potes atrasassem, Luciclara ficava irritadiça e começava a reclamar de tudo. Seus olhos azuis faiscavam e qualquer coisa era motivo para irritá-la. Como no dia em que uma abelha, uma simples abelha, entrou pela janela do seu quarto na torre mais alta do castelo, da qual ela avistava o mar e os morros ao redor, e zuniu em volta da sua cabeça.

- Iiique - gritou Luciclara. - Um animal! Tirem isso daqui!

- É só uma abelha, princesa. Uma simples abelha.

- Não interessa! Tirem isso daqui! Matem! E cadê o meu mel?

Depois de comer o mel, Luciclara se acalmava. O castelo inteiro se acalmava. O Rei, pai da princesa, dera ordens para que nada incomodasse sua linda e doce filha. E que nunca lhe faltasse o mel.

Mesmo que, para ficar calma, Luciclara necessitasse de cada vez mais, e mais, mel.

Dias depois, duas abelhas entraram pela janela do quarto na torre mais alta, provocando outra reação da princesa.

- Mas o que é isso? É uma invasão!

- São abelhas, princesa.

- Mas de onde vêm essas pestes?

- Dos jardins em volta do castelo, princesa. Dos morros.

- Mas por que elas estão aparecendo agora?

- Porque aumentou muito o consumo de mel no castelo, princesa. Foi preciso instalar mais colmeias. Há muito mais abelhas.

- E o que mel tem a ver com abelhas?

- São as abelhas que fazem o mel, princesa.

- O quê? Eu sempre pensei que ele caísse do céu!

O Rei ficou num dilema. Nos dias que se seguiram, aumentou a invasão de abelhas no castelo. Não apenas no quarto da princesa, na torre mais alta. Em todos os aposentos reais. Na cozinha. Na comida. Na beira da piscina. No spa. E começou a ser perigoso sair do castelo. Havia o risco dê as abelhas atacarem quem saísse sem proteção. O Rei podia mandar destruir as colmeias. Reconquistar o terreno do castelo ocupado pelas abelhas. Mas aí faltaria o mel para a sua linda e doce filha continuar linda e doce, e contente. Luciclara não podia viver sem mel. O mel não pode existir sem as abelhas. E era impossível convidar abelhas para uma conferência em alto nível. O que fazer?

GABARITO DA PARÁBOLA: desafio o nosso leitor a postar comentários sobre qual situação de momento Luis Fernando Veríssimo está se referindo. Efusivo e cordial abraço!

terça-feira, 16 de novembro de 2010

A FELICIDADE É UMA OBRIGAÇÃO DE MERCADO

por Arnaldo Jabor (O Estado de S. Paulo em 03.08.10)
Desculpem a autorreferência, que é vitupério - mas, estou terminando meu filme A Suprema Felicidade, que me tomou três anos, entre roteiro, preparação e filmagem. Agora, sairá a primeira cópia.

Amigos me perguntam: "Que é essa tal de A Suprema Felicidade? Onde está a felicidade?" Eu penso: que felicidade? A de ontem ou a de hoje?

Antigamente, a felicidade era uma missão a ser cumprida, a conquista de algo maior que nos coroasse de louros; a felicidade demandava "sacrifício". Olhando os retratos antigos, vemos que a felicidade masculina estava ligada à ideia de "dignidade", vitória de um projeto de poder. Vemos os barbudos do século 19 de nariz empinado, perfis de medalha, tirânicos sobre a mulher e os filhos, ocupados em realizar a "felicidade" da família. Mas, quando eu era criança, via em meus parentes, em minha casa, que a tal felicidade era cortada por uma certa tristeza, quase desejada. Já tinha começado o desgaste das famílias nucleares pelo ritmo da modernidade.

Hoje, a felicidade é uma obrigação de mercado. Ser deprimido não é mais "comercial". A infelicidade de hoje é dissimulada pela alegria obrigatória. É impossível ser feliz como nos anúncios de margarina, é impossível ser sexy como nos comerciais de cerveja. Esta "felicidade" infantil da mídia se dá num mundo cheio de tragédias sem solução, como uma "disneylândia" cercada de homens-bomba.

A felicidade hoje é "não" ver. Felicidade é uma lista de negações. Não ter câncer, não ler jornal, não sofrer pelas desgraças, não olhar os meninos malabaristas no sinal, não ter coração. O mundo está tão sujo e terrível que a proposta que se esconde sob a ideia de felicidade é ser um clone de si mesmo, um androide sem sentimentos.

O mercado demanda uma felicidade dinâmica e incessante, cada vez mais confundida com consumo, como uma "fast-food" da alma. O mundo veloz da internet, do celular, do mercado financeiro nos obriga a uma gincana contra a morte ou velhice, melhor dizendo, contra a obsolescência do produto ou a corrosão dos materiais.

A felicidade é ter bom funcionamento. Há décadas, o precursor McLuhan falou que os meios de comunicação são extensões de nossos braços, olhos e ouvidos. Hoje, nós é que somos extensões das coisas. Fulano é a extensão de um banco, sicrano comporta-se como um celular, beltrana rebola feito um liquidificador. Assim como a mulher deseja ser um objeto de consumo, como um "avião", uma máquina peituda, bunduda, o homem também quer ser uma metralhadora, uma Ferrari, um torpedo inteligente, e mais que tudo, um grande pênis voador.

A ideia de felicidade é ser desejado. Felicidade é ser consumido, é entrar num circuito comercial de sorrisos e festas e virar um objeto de consumo. Não consigo me enquadrar nos rituais de prazer que vejo nas revistas. Posso ter uma crise de depressão em meio a uma orgia, não tenho o dom da gargalhada infinita, posso broxar no auge de uma bacanal. Fui educado por jesuítas, para quem o sorriso era quase um pecado, a gargalhada um insulto.

Bem - dirão vocês -, resta-nos o amor... Mas, onde anda hoje em dia, esta pulsão chamada "amor"?

O amor não tem mais porto, não tem onde ancorar, não tem mais a família nuclear para se abrigar. O amor ficou pelas ruas, em busca de objeto, esfarrapado, sem rumo. Não temos mais músicas românticas, nem o lento perder-se dentro de "olhos de ressaca", nem o formicida com guaraná. Mas, mesmo assim, continuamos ansiando por uma felicidade impalpável.

Uma das marcas do século 21 é o fim da crença na plenitude, seja no sexo, no amor e na política.

Se isso é um bem ou um mal, não sei. Mas é inevitável. Temos de parar de sofrer romanticamente porque definhou o antigo amor... No entanto, continuamos - amantes ou filósofos - a sonhar como uma volta ao passado que julgávamos que seria harmônico. Temos a nostalgia lírica por alguma coisa que pode voltar atrás. Não volta. Nada volta atrás.

Sem a promessa de eternidade, tudo vira uma aventura. Em vez da felicidade, temos o gozo rápido do sexo ou o longo sofrimento gozoso do amor; só restaram as fortes emoções, a deliciosa dor, as lágrimas, motéis, perdas, retornos, desertos, luzes brilhantes ou mortiças, a chuva, o sol, o nada. O amor hoje é o cultivo da "intensidade" contra a "eternidade". O amor, para ser eterno hoje em dia, paga o preço de ficar irrealizado. A droga não pode parar de fazer efeito e, para isso, a "prise" não pode passar. Aí, a dor vem como prazer, a saudade como excitação, a parte como o todo, o instante como eterno. E, atenção, não falo de "masoquismo"; falo do espírito do tempo.

Há que perder esperanças antigas e talvez celebrar um sonho mais efêmero. É o fim do "happy end", pois na verdade tudo acaba mal na vida. Estamos diante do fim da insuportável felicidade obrigatória. Em tudo.

Não adianta lamentar a impossibilidade do amor. Cada vez mais o parcial, o fortuito é gozoso. Só o parcial nos excita. Temos de parar de sofrer por uma plenitude que nunca alcançamos.

Hoje, há que assumir a incompletude como única possibilidade humana. E achar isso bom. E gozar com isso.

Não há mais "todo"; só partes. O verdadeiro amor total está ficando impossível, como as narrativas romanescas. Não se chega a lugar nenhum porque não há onde chegar. A felicidade não é sair do mundo, como privilegiados seres, como estrelas de cinema, mas é entrar em contato com a trágica substância de tudo, com o não sentido, das galáxias até o orgasmo. Usamos uma máscara sorridente, um disfarce para nos proteger desse abismo. Mas esse abismo é também nossa salvação. A aceitação do incompleto é um chamado à vida.

Temos de ser felizes sem esperança. E este artigo não é pessimista...

domingo, 14 de novembro de 2010

PENSAMENTO: O Caminho da Vida

de Charles Chaplin

O caminho da vida pode ser o da liberdade e da beleza, porém nos extraviamos.

A cobiça envenou a alma dos homens... levantou no mundo as muralhas do ódios... e tem-nos feito marchar a passo de ganso para a miséria e morticínios.

Criamos a época da velocidade, mas nos sentimos enclausurados dentro dela. A máquina, que produz abundância, tem-nos deixado em penúria.

Nossos conhecimentos fizeram-nos céticos; nossa inteligência, empedernidos e cruéis. Pensamos em demasia e sentimos bem pouco.

Mais do que de máquinas, precisamos de humanidade. Mais do que de inteligência, precisamos de afeição e doçura. Sem essas virtudes, a vida será de violência e tudo será perdido.

Charles Chaplin (O Último discurso, do filme O Grande Ditador)

sábado, 13 de novembro de 2010

ESTOU LENDO: O PRÍNCIPE DE MAQUIAVEL

da Wikipédia
O Príncipe é um livro escrito por Nicolau Maquiavel em 1513, cuja primeira edição foi publicada postumamente em 1532. Trata-se de um dos tratados políticos mais fundamentais elaborados pelo pensamento humano, e que tem papel crucial na construção do conceito de Estado como modernamente conhecemos. No mesmo estilo do Institutio Principis Christiani de Erasmo de Roterdã: descreve as maneiras de conduzir-se nos negócios públicos internos e externos, e fundamentalmente, como conquistar e manter um principado.

Maquiavel deixa de lado o tema da República que será mais bem discutido nos Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio. Em vista da situação política italiana no período renascentista, existem teorias de que o escritor, tido como republicano, tenha apontado o principado como solução intermediária para unificar a Itália, após o que seria possível a forma republicana.

O tratado político possui 26 capítulos, além de uma dedicatória a Lorenzo II de Médici (1492–1519), Duque de Urbino. Mediante conselhos, sugestões e ponderações realizadas a partir de acontecimentos anteriores na esfera política das principais localidades de então, o livro pretendia ser uma forma de ganhar confiança do duque, que lhe concederia algum cargo. No entanto, Maquiavel não alcançou suas ambições.

É este livro que sugere a famosa expressão os fins justificam os meios, significando que não importa o que o governante faça em seus domínios, desde que seja para manter-se como autoridade, entretanto a expressão não se encontra no texto, mas tornou-se uma interpretação tradicional do pensamento maquiavélico. Alguns cursos de administração de empresas fazem leituras aparentemente deturpadas de tal obra, afirmando que, se uma empresa for gerida considerando as metódicas análises do autor, essa conseguiria prosperar no mercado.

Nesta obra, Maquiavel defende a centralização do poder político e não propriamente o absolutismo. Suas considerações e recomendações aos governantes sobre a melhor maneira de administrar o governo caracterizam a obra como uma teoria do Estado moderno.

Uma leitura apressada ou enviesada de Maquiavel pode levar-nos a entendê-lo como um defensor da falta de ética na política, em que "os fins justificam os meios". Para entender sua teoria é necessário colocá-lo no contexto da Itália renascentista, em que se lutava contra os particularismos locais. Durante o século XVI, a península Itálica estava dividida em diversos pequenos Estados, entre repúblicas, reinos, ducados, além dos Estados da Igreja. As disputas de poder entre esses territórios era constante, a ponto de os governantes contratarem os serviços do condottieri (mercenários) com o intuito de obter conquistas territoriais. A obra de Maquiavel revela a consciência diante do perigo da divisão política da península em vários estados, que estariam expostos, à mercê das grandes potências européias.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

INTOLERÂNCIA: Está em Marcha o "São Paulo para Paulistas"

Do Conversa Afiada de Paulo Henrique Amorim (04.11.2010)

Caros amigos do Conversa Afiada,
Fiquei estupefacto ao ler o Terra Magazine, do Bob Fernandes. A repórter Ana Cláudia Barros fez duas matérias de cair o queixo. Numa, ela entrevistou Fabiana Pereira, 35 anos, autora intelectual (sic) do manifesto que circula na internet “São Paulo para os paulistas”. Em outra, Ana Cláudia entrevistou Willian Godoy Navarro, 22 anos, signatário do manifesto e articulador, juntamente com Fabiana e outros 600 paulistas, do Movimento Juventude Paulistana.

Com o Movimento Juventude Paulistana, eles querem mudar, quer dizer, melhorar São Paulo e fazer manifestações à la Greenpeace. A primeira será, observe a coincidência, na Ponte Estaiada. Outra coisa: a Fabiana defende a atitude da xenófoba-estudante de Direito-paulistana Mayara.

Sério! Dá medo ao ler as matérias… Nossa Senhora da Antixenofobia que nos proteja.

O Limpinho reproduziu os textos:

http://limpinhocheiroso.blogspot.com/2010/11/em-manifesto-na-web-jovens-paulistas.html

Depois de ler os artigos o Limpinho chegou às seguintes conclusões:

1. Em São Paulo, a coisa está muito pior do que eu imaginava. Muito pior…

2. Fazer manifestação na Ponte Estaiada é sintomático. Quem é da capital de São Paulo sabe que o pano de fundo do jornalismo paulistano da Rede Globo é a Ponte Estaiada. Que coincidência!

3. Willian Godoy Navarro, mesmo medindo suas palavras, se entregou: “Essas pessoas [Movimento São Paulo para os paulistas] querem mudar São Paulo, mudar não, pelo menos, melhorar.”

4. A Fabiana Pereira, com todo respeito, não diz coisa com coisa: “Acabaram usando tudo isso [a xenofobia da Mayara] para colocar até um pouco como vítima, né?!”

5. Eles querem usar a mesma tática do Greenpeace, aquele movimento que se calou durante o vazamento de petróleo no Golfo do México, cuja culpa foi da British Petroleum, que se tornou um dos piores da história dos Estados Unidos. Só falta eles querem também seguir os Repórteres com, quer dizer, Sem Fronteiras.

Miguel Baia Bargas
Blog Limpinho & Cheiroso
http://limpinhocheiroso.blogspot.com/