A História teria sido diferente sem Hitler, ou com um Hitler no poder mas tratado por Freud?
Adolph Hitler quase foi se tratar com Sigmund Freud. Seus pais teriam sido aconselhados a levá-lo para uma consulta com o doutor, presumivelmente para curá-lo daquela compulsão de dominar o bairro. Não houve a consulta, Hitler cresceu sem tratamento e, quando a crítica sugeriu que ele trocasse a pintura pela sua segunda vocação, fosse ela qual fosse, lembrou-se da megalomania da infância e o resto é História.
A História teria sido diferente sem Hitler, ou com um Hitler no poder mas tratado por Freud? A ideia do nazismo como uma anomalia patológica, como coisa de loucos, é uma ficção conveniente que absolve boa parte do pensamento cristão europeu de direita da sua cumplicidade.
Mas a ideia de um determinismo neutro, independente de qualquer escolha moral, também é assustadora. Precisamos de vilões mais do que de heróis, de culpados muito mais do que de inocentes. Nem que seja só para preservar o autorrespeito da espécie.
Karl Kraus escreveu que a Viena do começo do século era o campo de provas da destruição do mundo. A derrocada do império austro-húngaro foi o fim de um certo mundo, mas Kraus quis dizer mais do que isso. Para ele, as revoluções do pensamento postas em movimento na Viena da sua época trariam o fim do longo dia do humanismo europeu que durara desde a Renascença, e o século restauraria a idade das trevas.
O encontro que não houve entre o intelectual judeu que radicalizou o estudo da consciência e o homem que quis eliminar as duas coisas, o judeu e a consciência, da História simboliza esse prenúncio, ou essa intuição de Kraus. O século 20 foi o do desencontro entre duas formas de modernidade, a que liberava o pensamento pela investigação científica e a que o aprisionava pelo mito do estado científico.
A questão é até onde coisas vagas, como o clima intelectual de uma cidade, ou clínicas, como a maluquice de alguém, influenciam a História, ou até que ponto uma boa terapia pediátrica teria evitado o Holocausto.
O materialismo histórico rejeita a ideia de sujeitos regendo a História, e marxistas ortodoxos reagem a qualquer sugestão de que as ideias justas venham de um discernimento moral inato. E como os liberais nos dizem que o mercado não é ético nem aético, é apenas inevitável, a História como um relato de mocinhos providenciais em guerra com bandidos doentes sobra para a literatura, ou essa categoria de ficção sentimental que é a história convencional.
Precisamos pensar não só que são iniciativas humanas que movem a História, e que seus objetivos, mesmo que tarde, sejam morais e justos, mas que elas tenham cara e biografia.
A História feita por indivíduos tem o atrativo adicional da conjetura, de infindáveis variações sobre o “se”. O que teria acontecido se Napoleão tivesse se contentado em ser instrutor de tiro ou se os pais de Stalin nunca tivessem se encontrado?
E podemos sonhar à vontade sobre o efeito na nossa vida pública se certas mães brasileiras pudessem ter optado, patrioticamente, por não ter os filhos que tiveram.
Nenhum comentário:
Postar um comentário