sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

REFLEXÃO: Os Valores da Liberdade

do Eurosophia.com

«Não faças o que não gostares que te façam».
Pítaco de Mitilene

1. Os valores. Que significa valor? Quanto vale isto? Perguntamos. Quanto vale esta coisa, quanto custa? Estamos a falar de valor comercial. Mas também dizemos, fulano tem muito valor. Às vezes quereríamos dizer que ele tem muito mérito, porque tem merecimento ou aptidão. Ou então dizemos que é muito prestimoso, ou seja, que é uma pessoa prestável. Não raro dizemos a um amigo: este relógio raramente está certo, mas não me desfaria dele por nada deste mundo. Este relógio tem, para o seu possuidor, valor de estimação.

Existem qualidades que são desejáveis, como por exemplo, quando gostamos de algo, um objecto que pela sua beleza o escolhemos em detrimento de outros; ou quando achamos bela a pessoa amada. Estamos a falar de valores com outro sentido, o sentido do gosto, do belo. Por outro lado, todo o ser humano de bom senso, que não é egoísta, é capaz de reconhecer as boas acções, a verticalidade, a bondade dos outros. Falamos, neste caso, de uma pessoa de alto valor moral.

Como se verifica, a questão dos valores não é apenas um problema filosófico. Com efeito, surge para cada um de nós, com uma acuidade extrema, toda a vez que se torna necessário enfrentar uma situação dada. Cada pessoa adopta determinada atitude em face dos problemas políticos, sociais e ideológicos e, consequentemente, diante dos valores éticos, estéticos, religiosos, etc. Porquanto, cada indivíduo defronta-se, implicitamente, com o problema do sentido da vida e, de modo mais geral, com o problema dos valores. A realização de si, a necessidade para o indivíduo de se integrar na colectividade, as exigências do eu, o desejo de se realizar como personalidade visível, e às vezes até para dar nas vistas, são factos antropológicos e individuais a que o ser humano não escapa, embora se façam acentuar mais exageradamente em algumas personalidades complexadas, devido a problemas de ordem física ou psicológica. E assim, cada ser humano manifesta a sua liberdade ao realizar ou não os valores, e não ao dar-se a ilusão de impor os seus próprios valores aos outros e à sociedade. Aliás, os valores não se impõem por particulares.

2. As opões valorativas. A vida humana, a cada momento, é o resultado ou a soma de todas as possibilidades conseguidas: possibilidades de optar, de decidir, de fazer, etc. E à medida que vamos preferindo opções em detrimento de outras, valores em detrimento de outros, vamos também orientando a nossa vida segundo determinados parâmetros e, com isso, abandonando outras possibilidades, que nunca chegaremos a saber se seriam melhores ou piores, enquanto desta forma vamos limitando as possibilidades futuras.

O nosso campo de acção, à medida que a vida fluí, vai-se estreitando. A nossa liberdade actual está naturalmente condicionada pelo uso que fizemos da nossa liberdade passada, que por sua vez limita a liberdade futura. Um acto de liberdade presente é um compromisso com o futuro. A liberdade não é uma abstracção, é uma prática. É uma prática que se reflecte em toda a nossa vida. Desta feita, comprometido pelas suas opções passadas, pelas suas paixões e orientações de vida, pela sua educação e cultura, pelo modo como vê a vida e o mundo, mas também pela sua constituição física e psicológica, o homem está cada vez mais limitado na sua acção. E mais limitado está aquele que se julga para além dos outros, porque não compreendeu nada do outro nem da vida. Com efeito, o homem está limitado por várias condicionantes que, em conjunto, condicionam a sua situação. E como o homem está sempre em situação, e porque cada situação está limitada por um conjunto de condicionantes, já não posso alterar a minha situação actual, porque não posso alterar as situações que a antecederam. E, não raras vezes, nem o arrependimento nos pode dissolver a intranquilidade devida às opções incorrectas que tomámos. O que quer dizer que a minha vida hoje poderia ser outra se tivessem sido outras as opções, outras as vivências, outras as condicionantes, outras as situações.

3. Limites da liberdade. «O homem está condenado a ser livre», diz Sartre. De facto o homem é livre no seu querer e actuar, mas ele não é absolutamente livre sem limites nem restrições. Cada um vive numa situação única e concreta da sua existência, traz consigo como herança determinadas aptidões espirituais e corporais. Desde a infância está marcado pelo meio que o rodeia, pelas influências da educação, pelo ambiente espiritual, ético, religioso e ideológico em que cresce e se desenvolve; vive em determinadas circunstâncias nacionais, sociais, políticas e culturais que o marcam. Em todos estes casos está restringida a nossa liberdade: com a limitação da nossa existência finita e singular, do nosso conhecimento finito e sempre incompleto e da nossa vontade finita e reduzida a um estreito campo de acção. Tudo isto se conjuga para que a liberdade do homem só possa ser uma liberdade condicionada e limitada.

A autêntica liberdade, aquela que cada um vive, começa no momento em que somos capazes de entender que a minha liberdade pode e deve coexistir com a liberdade do outro. Convém não esquecer nunca que nós só somos porque existe o outro, os outros. Sem o outro o eu não existe, é um fantasma navegante, que ainda não é ser, mas está ignorantemente convencido que o é. A liberdade absoluta, do quero, posso e mando, só existe em espíritos míticos, na mente daqueles que se julgam seres superiores, cujo destino lhes terá sido traçado por um Deus maior!
Ora, a liberdade não é um objecto de que nos possamos apropriar de uma vez para sempre. A liberdade humana não é, de forma alguma, uma verdade eterna, nem uma posse intemporal, é pelo contrário uma verdade temporal, uma conquista sempre nova, que cada homem persegue sem nunca ter a certeza de ter atingido a sua plenitude. Quer isto dizer simplesmente que os actos dos homens de boa fé têm como último significado a procura da liberdade enquanto tal. E ao querermos a liberdade, descobrimos que ela depende inteiramente da liberdade dos outros, e que a liberdade dos outros depende da nossa. (António Pinela, Reflexões, Abril de 2002).

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